“Eu tenho esta propriedade há mais ou menos 25 anos e eu não inventei nada”. Assim começou a entrevista de Armando Nunes Miqueiro ao Jornal do Comércio, a respeito do sistema que utiliza para a produção de leite de gado na Chácara Don Goyo, localizada no km 5, a qual tem uma área de 37 hectares.
“O conhecimento desse sistema rotacional que uso hoje, eu obtive no Uruguai e em outros países onde estive”. Já naquela época, preocupado com o desmatamento e as queimadas que já existiam, aliado à preocupação com o desperdício de terra - pois eu fui criado num país (Uruguai) onde terra é um bem muito caro, onde não existem propriedades das dimensões como as que há aqui - adquiri esta área de terra totalmente adversa para a criação de gado, totalmente degradada, completamente desmatada, onde os antigos donos usavam as queimadas, com terra de péssima qualidade, sem água corrente, eu disse uma vez que iria criar gado leiteiro aqui, que é a tradição de família e do lugar onde fui criado no meu país de origem. Na época alguns disseram que eu era louco. Mas, eu conhecia o sistema rotacionado, embora não tivesse experiência disso na região Norte, porque embora pareça simples, esse método exige que se obedeçam algumas normas da Natureza. Sabe-se que a solo, a quantidade chuvas e a luminosidade do Norte são muito diferentes de outras regiões. Alguns que vinham me visitar diziam para não fazer daquele jeito; mandavam-me queimar porque garantiam que o fogo é a saúde do pasto. Eu continuei meu projeto, que segundo informações que tenho, foi o primeiro no Pará. Sofri, apanhei muito porque mexia com algo novo, dadas as circunstâncias.
Já faz algum tempo que Armando Miqueiro está implementando mudanças. “Eu resolvi modificar esse sistema, que está funcionando bem, para um sistema mais enxuto, no qual eu faço um melhor aproveitamento da terra. Esse novo modo segue o padrão que a Embrapa vem utilizando na região sudeste do Brasil”.
Não é missão fácil fazer isso desse jeito, afirma Armando. “Criar gado de leite, no sistema que eu crio, é muito difícil porque não existe uma pesquisa, não existe um trabalho na região que lhe dê subsídios para isso. Tudo que estou fazendo é baseado no conhecimento do que é feito em outras regiões. Eu inovei na pecuária leiteira, desde a inseminação artificial, que eu tive um privilégio de ter sido o primeiro a inseminar. Eu lembro que juntou muita gente aqui, quando nasceu o primeiro bezerro por inseminação. Parecia que tinha chegado um ser de outro planeta. Hoje, para minha felicidade e de toda a região, há sete ou oito pessoas fazendo isso e inclusive, transferência de embriões. Eu me sinto responsável por isso. É uma contribuição muito grande que eu estou dando para a pecuária, principalmente a pecuária leiteira, que eu acho que não foi ainda olhada com o devido respeito e carinho pelas autoridades, sejam elas municipais, estaduais ou federais”.
Com a inseminação vieram muitas vantagens. Hoje, o gado da Chácara Don Goyo é todo fruto de inseminação. São animais produzindo entre quatorze e quinze litros de leite, alimentando-se no pasto, o que é uma produção que Armando informa ser muito boa. Ele tem ainda alguns problemas a serem resolvidos, alguns dos quais pela falta de profissionais disponíveis, como veterinários. Ele confirma que ao longo desse tempo teve um ganho muito bom na produtividade. Se não está melhor, uma das razões, ressalta, é a fazer de apoio para o pequeno produtor.
Sistema mais enxuto - “Como disse, é um sistema com piquetes menores, com uma média de 750 metros quadrados cada um, onde eu colocarei, por hectare, aproximadamente, de quinze a vinte cabeças de gado. É um sistema fantástico, no qual estou fazendo alguns ajustes, pois ainda estou apanhando um pouco. Isso que eu estou fazendo se encaixa dentro do que prega o governo federal, contra o desmatamento da Amazônia, pois com esse sistema, um produtor com apenas cinco hectares de terra vai poder tirar de 150 a 200 ou até 300 litros de leite por dia, dependendo do recurso que ele tiver e da tecnologia que ele utilizar. Eu noto que existe uma preocupação muito grande do governo federal de não desmatar a Amazônia e não há necessidade de se desmatar mais nada; basta aproveitar as áreas que já foram desmatadas que estão em fase de degradação, algumas delas em degradação avançada”.
Comendo só à noite - “O gado come durante oito horas por dia. Eu já fiz um teste e comprovei isto. Durante o dia tem o Sol quente que incomoda o gado, ao passo que a partir das quatro horas da tarde, quando o Sol está mais ameno, durante a noite, até cinco horas da manhã os animais comem sossegados e o capim está diferente. Nesse período o gado se alimenta melhor. O ideal é que haja um complemento alimentar antes da segunda ordenha que eu faço; pode ser cana com uréia ou outro tipo; mas, eu já fiz o teste de alimentar os animais à noite e deu certo. Então, as vacas vão passar a se alimentar somente à noite. Eu tenho trinta e dois piquetes, de 750 metros quadrados cada um, na área de dois hectares e meio que utilizo para esse fim. Com isso ganharei uma melhor produtividade, farei um melhor aproveitamento da terra e os animais ficarão menos estressados”.
Apoio - Pessoas ligadas ao governo do Estado mantiveram contato com Armando Miqueiro, acenando com a possibilidade de algum apoio. O secretário de Ciência e Tecnologia, Maurílio Monteiro, mostrou-se muito acessível e demonstrou interesse em viabilizar algum tipo de apoio. O secretário e Agricultura esteve na Chácara Don Goyo, bem como o secretário de Agricultura Familiar, mas, segundo Armando, por enquanto foi apenas isso. “Até agora foi apenas namoro. Tenho medo que esse namoro demore muito e não dê casamento”. Ele diz que gostaria que as conversas evoluíssem para algo efetivo, porque tem certeza que esse sistema pode ser uma das saídas para a região, capaz de impulsionar a agricultura familiar.
Sonho - “Talvez eu até seja um sonhador, mas, eu sinto que tenho uma dívida de gratidão muito grande com este País que me adotou, por este Estado e por esta região que me adotaram. Por isso, eu gostaria que esse sistema pudesse ser disseminado para que muitos outros possam dele se beneficiar. Tenho lutado muito para que isso aconteça. Infelizmente, até agora ainda não consegui, porque o governo não tem olhado para este região com o respeito que ela merece.
Ao longo dessa nossa conversa eu citei, várias vezes, a falta de apoio. Eu quero chamar a atenção das autoridades em todos os níveis para que olhem com outro olhar para esta nossa região oeste do Pará, com mais respeito, com mais carinho. Fala-se muito da divisão do Estado, da qual eu sou partidário e um dos motivos é a falta da presença governamental, tanto do governo do Estado, quanto do governo federal. Justiça seja feita, em 2007 houve uma grande movimentação do governo do Estado, que esteve presente várias vezes aqui, coisa que não acontecia antes. Mas, eu gostaria que a bola saísse do meio do campo; está na hora de chutar para dentro do gol; vejo a bola sendo tocada muito no meio; é preciso ir para frente e chutar para o gol”, finalizou Armando Miqueiro.
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