Falar é meu projeto de vida.
Se existe alguém que faz o que gosta e jamais pensou em fazer outra coisa desde quando encarou um microfone pela primeira vez, esse alguém é Santino Soares, nome com o qual é popularmente conhecido o radialista paraense Santino José de Jesus Soares, 59 anos, natural de Juruti, no Oeste do Estado.“Nós nos acostumamos com coisas com as quais não devemos nos acostumar.
Nós nos acostumamos a morar em apartamentos e olhar para as grades das janelas. Como nos acostumamos com isso, nós também fechamos a cortina muito cedo. Como fechamos a cortina muito cedo, nós nos acostumamos a acender a luz muito cedo. Como nos acostumamos a acender a luz muito cedo, e não deveríamos nos acostumar, nós nos acostumamos a não olhar para a amplidão, a não perceber o ar, e nós não deveríamos nos acostumar a isso..
”Diálogo
Foram essas as primeiras palavras, inspiradas na obra de Marina Colassanti, que os ouvintes da Rádio Liberal AM, de Belém do Pará, escutaram ontem às 10 horas, no início do programa Santino Soares. Reflexão que ele faz todo dia ao começar o movimentado contato com seus milhares de fiéis seguidores, diálogo que vai até as 11h30.Em seguida, com o entusiasmo de quem parece estar no início da carreira, Santino dispara o quadro Cidadania em Ação, discutindo fichas limpas e fichas sujas, eleição, assuntos dos bairros, clubes de serviço, meio ambiente, saúde pública, trânsito, filas no Pronto Socorro e muito mais do menu que prepara com antecedência, a partir das preferências de seus inúmeros ouvintes.“Minhas reflexões iniciais em cada programa são fruto de pedidos de ouvintes, que me mandam cartas, telefonam, pedem pelo email, pelo twitter, uma interatividade que eu desenvolvo desde os anos 70, quando comecei na Rádio Rural de Santarém, num tempo em que o diálogo locutor-ouvinte se fazia por carta, telefone ou pessoalmente”.
Autodefinição
E o Santino Soares por ele mesmo? “Pergunta mais difícil da entrevista. Isso já vem da Grécia antiga: conhece-te a ti mesmo. Sou um homem realizado profissionalmente e em família. Sou casado há 35 anos, tenho seis filhos que me tratam com muito respeito e isso me torna imensamente feliz. No rádio, sempre digo: eu não nasci para ser radialista, porque não tenho a voz de um Costa Filho (de Belém), não tenho o improviso de um Edinaldo Mota (de Santarém), mas a despeito dessas deficiências, há 40 anos, todos os dias, não me faltou um microfone para fazer rádio”.
“Me acordo às seis da manhã e começo a trabalhar para produzir um programa de uma hora e meia. Às vezes chego faltando 15 minutos para o programa entrar no ar, mas já trago tudo planejado e preparado”.Tal como um jovem iniciante, Santino afirma: “Não penso em outra coisa, o rádio vive em mim 24 horas”. Depois de se aposentar, não sabe quando, Santino diz que deseja estar sempre diante de um microfone, até os 70 ou até quando a voz permitir. “Falar é meu projeto de vida”. Esse projeto ele está aos poucos transformando num livro que tem o título provisório de “Um náufrago nas ondas do rádio”.
Festa dos 40 anos
Os 40 anos de rádio Santino Soares vai festejar em Belém, mas será em Santarém, onde tudo começou, que ele promete reunir colegas de ontem e de hoje para uma festa, pensada para se realizar em novembro próximo.
Essas quatro décadas de intimidade com o microfone e com o ouvinte Santino passou em apenas duas emissoras – a Rádio Rural de Santarém e a Rádio Liberal, de Belém, na qual já trabalha há 29 anos. Uma rápida passagem pela Rádio Guajará ele faz questão de retirar do currículo. Jovem de 18 anos, jamais lhe passou pela cabeça ser radialista, até o dia em que uma tia insistiu para que ele se candidatasse num concurso para locutor, em Santarém. Entre dezenas de candidatos, “a fila ia do corredor ao meio da rua”, ele foi selecionado juntamente com outro felizardo. Contratado em experiência, foi efetivado pouco tempo depois.
Eram os tempos de Osmar Simões, radialista famoso no Pará, mas quem examinou Santino foram os também conhecidos profissionaios Edinaldo Mota e Ércio Bemergui. Hoje, com a vida profissional marcada pelas experiências de Belém e Santarém, Santino vê grandes radialistas ainda em atividade, entre eles, nas duas cidades, Sinval Ferreira, Costa Filho, Osvaldo de Andrade, Edinaldo Mota, Nonato Cavalcante, Bena Santana, Ronald Pastor e uma jovem iniciante, em Santarém, Francimar Farias, nas tardes da Rural.
Escola de Rádio
Em 1978 mudou-se para Belém, ratificando o fato de que a Rádio Rural foi uma grande escola para dezenas de profissionais que se transferiram para Belém, Manaus, Rio. Na capital paraense, ingressou na Liberal onde passou pouco tempo, pois ali tentaram fazer dele repórter setorista na Câmara de Vereadores. Saiu e passou pouco tempo da Rádio Guajará, “onde se fazia de tudo, menos rádio”, lembra Santino.
Retornou a Santarém, sua cidade por adoção. Seu lugar na Rural o esperava. Em 1981 volta a Belém para a mesma Liberal, onde está até hoje.
Ao longo desse percurso, Santino vivenciou todas as mudanças pelas quais o Rádio passou. Desde os tempos do telefone apenas fixo, coisa rara, e da carta do ouvinte, como esse profissional vê o ambiente digital invadindo de modo avassalador o Rádio? Santino responde:
Desafios da internet
“Faço uma comparação: antes, as dificuldades eram idênticas às de um trabalhador que fosse construir uma casa utilizando um serrote rombudo, como diria Gérson Gregório (locutor/humorista em Santarém). Hoje, ao contrário, nós temos uma infinidade de ferramentas. A internet é uma ferramenta fantástica...”
E essas facilidades de hoje, proporcionadas pelo mundo digital/virtual não são ao mesmo tempo uma tentação para o afastamento do radialista de seu ouvinte, dos temas aqui de perto, da vizinhança, já que o Rádio se caracteriza por falar para o aqui e o agora?Santino responde: “Essa tentação existe, porque ser repórter é andar no quarteirão. Quando eu venho de casa eu venho olhando as coisas e as pessoas, o que está acontecendo e isso às vezes me dá um assunto para um programa inteiro”. Para Santino, a internet, com o mundo de informação que oferece, está aí para complementar a observação do que está aqui perto, das coisas do dia-a-dia, mas sem substituir essa observação. “Se o locutor se encantar somente com o que a internet oferece, então o programa pode se empobrecer”.
O sociólgo-radialista
Santino não esqueceu de buscar o conhecimento. Formou-se em sociologia na UFPA. Diz ele que “os conhecimentos da sociologia me ajudaram a perceber muitas coisas que antes não percebia ou via sem profundidade. Por isso, a passagem pela universidade me ajuda até hoje a encarar determinados temas que analiso juntamente com os meus ouvintes”.
Fonte: blog do Manuel Dutra
Nenhum comentário:
Postar um comentário