Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
O PT está apostando tudo para tentar a reeleição da governadora Ana Júlia Carepa. O problema principal é o índice de rejeição, o mais alto que um governante já enfrentou no Pará. Por isso, os petistas assumem os riscos da situação.
O senador Aloizio Mercadante pretende gastar 46 milhões de reais na sua campanha para o governo do mais rico Estado brasileiro, São Paulo, com um terço do PIB nacional. Sua correligionária do PT, a governadora Ana Júlia Carepa, tem um orçamento eleitoral de R$ 47 milhões para se reeleger no Pará, que possui 3% do Produto Interno Bruto nacional. Como São Paulo tem 30 milhões de eleitores, o gasto per capita de Mercadante será de R$ 1,5. Já o de Ana Júlia chegará a R$ 12 por cada um dos 4,7 milhões de eleitores paraenses. Proporcionalmente, só a previsão de José de Anchieta Júnior candidato do PSDB ao governo de Roraima, se equivale.
O orçamento eleitoral da governadora petista é o terceiro maior do país neste ano. O maior, do oponente de Mercadante em São Paulo, o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, é de R$ 58 milhões. Ana Júlia lidera em gastos dentre os 18 governadores que buscarão a reeleição nos 27 Estados brasileiros. Na eleição de 2006 ela contou com pouco mais de R$ 10 milhões para se eleger, dos quais R$ 6,3 milhões vieram do Comitê Financeiro Único do seu partido.
Esses números causaram impacto na opinião pública nacional. Ainda mais por se presumir (ou se ter certeza) que os gastos reais ultrapassam o valor apresentado à justiça eleitoral. O famoso “caixa dois” já recebeu até a oficialização por parte do presidente Lula, que admitiu a prática e a considerou normal numa entrevista dada em Paris.
A assessoria de imprensa do governo explicou aos interessados (ou escandalizados, que raramente prestam atenção ao Pará) que o montante inusitado tinha uma explicação, legitimando-o e até o enaltecendo: o PT gastaria mais na principal disputa majoritária porque a governadora não usará a máquina oficial. A justificativa soou como uma piada diante da realidade concreta. Ana Júlia é a campeã das multas aplicadas pelo TRE do Pará: dos R$523 mil impostos pelo tribunal até a semana passada por propaganda ilegal, R$ 167 mil foram debitados à conta da governadora.
É indicador do abuso do cargo, de forma explícita, caracterizada. Mas há fundadas suspeitas de que Ana Júlia se tem valido de sua função para se favorecer eleitoralmente. Os kits de máquinas para fazer estradas, que entregou aos prefeitos, a verba do BNDES que a Assembléia Legislativa lhe autorizou a aplicar, contratações de última hora, convênios, repasses de recursos e outros expedientes têm o objetivo claro de conquistar adesões e laçar votos.
A última das iniciativas virou escândalo, alimentado pelos veículos de comunicação do deputado federal Jader Barbalho, já em oposição frontal à candidata do PT. É um contrato no valor de 20 milhões de reais com a Delta Construções e Engenharia, que fornecerá à Polícia Militar, pelos próximos dois anos, 450 automóveis Fiat Pálio. A Delta, com sede no Rio de Janeiro, é uma das empresas mais favorecidas pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal. Ela baixou no Pará com vários contratos e adicionou à cesta outros contratos firmados localmente. Ela é a que mais dinheiro recebe da Secretaria de Assuntos Estratégico (criada pelo atual governo), liderado pelo ex-marido de Ana Júlia, Marcilio Monteiro, que se concentrou em obras viárias em Belém, executadas pela Delta.
Em tese, o contrato assinado pela PM do Pará se insere na tendência mais recente da corporação em vários outros Estados do país, de terceirizar sua frota. Essa inovação permitiria a renovação constante dos veículos utilizados pela Polícia Militar, já que o locador se compromete a repor os carros que saírem de operação, e menor custo na manutenção. Os gastos elevados e os riscos operacionais da frota em administração direta tornaram o seguro para esses veículos proibitivo. A terceirização contornaria esses problemas, reduziria custos e aumentaria a eficácia da ação policial. Em alguns Estados a prática já é corrente.
O que permitiu a caracterização do escândalo é que a empresa contratada não atuava nesse ramo de negócio, nem estava habilitada para tal. Os carros são leves demais e inadequados para as características operacionais da polícia, por serem muito compactos. Além disso, não vieram com aparelhos de ar condicionado, item essencial numa cidade quente como Belém.
Mais importante do que esses e outros detalhes técnicos: o contrato não foi apresentado publicamente. A iniciativa foi adotada por decisão direta e pessoal da governadora, sem passar pelas instâncias competentes e específicas. O ingresso de 450 carros novos de uma vez é um fato tão relevante que devia ser precedido de anúncio e até de propaganda. Em julho de 2008 o governo fez alarde da compra de 160 novas viaturas, das quais apenas 99 foram para a PM. O sigilo em torno de um contrato inovador foi injustificável.
Já o interesse de toda sociedade por essa história é mais do que justificado, mesmo que envolvido por aproveitamentos políticos laterais. Ainda que venham a se revelar improcedentes as suspeitas sobre o uso desse contrato (como de outros mais) para a formação de caixa de campanha, e, em particular, de caixa 2, há uma questão de política pública a exigir discussão.
Mesmo sem ter efetivo para ocupar as novas viaturas (cinco por cada uma, seriam 725 PMs), o governo decidiu-se por esse contrato para espalhar a polícia por Belém, cidade violenta e, por isso, insegura (disposta, em conseqüência, a votar contra o governo, apontado como ineficiente no combate à crescente e agravada criminalidade urbana). O governo espera que a população, vendo os PMs ao lado de 450 veículos distribuídos por todos os pontos, se sinta mais seguro. Ainda que sair dessa posição, entrar no carro e dirigi-lo para caçar criminosos não faça parte da estratégia montada. Seria um faz-de-conta para obter efeito positivo junto ao público. Ação de cunho eleitoral, portanto. Eventual e não permanente.
Por que tantos recursos e tantas manobras, que ultrapassam o limite da responsabilidade e expõem o governo aos efeitos perversos (ou inadvertidos) da sua iniciativa? Para salvar uma candidatura que parece condenada pelo alto índice de rejeição de Ana Júlia Carepa. O índice já esteve além de 60% e agora teria baixado do limite vital de 50%, a partir do qual a reeleição torna-se quimera de marketing. Estes seriam os números reais de pesquisas realizadas para valer – e jamais reveladas pelos que as encomendaram.
Sabendo disso, o PT se arriscou a revelar, por vias indiretas, uma pesquisa ilegal, sem o nome do responsável, sem o período em que foi realizada e sem o devido registro no TRE. Mesmo assim, para não perder toda credibilidade entre os mais crédulos, essa sondagem deu 27% a Ana Júlia, 23% a Jader e 31% a Jatene. E num segundo turno admitiu o empate técnico da governadora com qualquer dos dois – na época, em maio –eventuais candidatos.
Todos os escândalos e anomalias que têm sido observados na campanha do PT pela reeleição no Pará se explicam por um fato: a mais alta rejeição que um governador já enfrentou às vésperas de uma nova eleição para o cargo. Se não quiser ficar num único mandato, o PT tem que arriscar. E muito. O que pode lhe causar a derrota antes de poder experimentar a possibilidade da vitória.
Extraído do blog do jornal O Estado do Tapajós
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