Jota Parente
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Em fevereiro de 1989, a nova programação da Rádio Itaituba estava fazendo o maior sucesso. De onze da manhã ao meio-dia, Rozza Paranatinga fazia um programa de variedades que tinha boa audiência.
Após o encerramento de um determinado programa ele me procurou, muito animado com uma idéia que acabara de ter. Disse que gostaria de fazer uma seqüência de notícias policiais no seu horário. Eu argumentei que não considerava aquela uma sugestão muito sábia, porque naquele tempo ainda se matava muita gente em Itaituba. Ele falou que teria cuidado para não falar coisas que fedessem a defunto. Então, está, disse eu; começa segunda-feira, mas toma muito cuidado.
Rozza começou a dar algumas ocorrências que levantava na Polícia Civil, o que chamou atenção dos seus ouvintes, que gostaram da novidade. Não é a toa, como diz o velho ditado, que a curiosidade matou Caim. Cada dia ele apimentava mais um pouquinho.
Estava indo tudo muito bem, até que ele pegou uma ocorrência que realmente mexeu, não só com a audiência, mas com muita gente. E que ocorrência foi aquela!
Numa terça-feira, eu estava na minha sala, naturalmente com o rádio ligado. Se já tinha o dever de ouvir toda a programação, naquele horário das quentinhas da Policia eu aumentava o volume, sempre apreensivo com o que seria noticiado.
“Valdir de tal, vulgo Aragão, foi denunciado na polícia por moradores de Itapacurizinho, por estar promovendo desordem e ameaçando pessoas de morte. Os que se sentem ameaçados pedem providência da polícia”, leu Rozza Paranatinga, e ainda emendou com um comentário, pedindo ao delegado que tomasse as devidas providências, porque não podia aquele camarada ficar ameaçando as pessoas de bem, pais e mães de família, que estavam com medo.
Antes mesmo do meu amigo Rozza terminar de fazer o seu comentário eu entrei no estúdio da emissora. Esperei que ele terminasse de falar e anunciasse a próxima música para eu conversar com ele.
Rozza, tu sabes quem foi que tu denunciaste nessa última ocorrência policial que mandaste para o ar? Ele me respondeu que foi um desordeiro qualquer, que esteve desarrumando lá pra bandas do Itapacurizinho.
Não, meu prezado colega; não foi um desordeiro qualquer; você denunciou o perigoso pistoleiro Aragão. Apenas isso.
O homem mudou de cor, na hora, desmontou na cadeira feito geléia e disse: “eu estou perdido; ele vai me matar, nunca vai me perdoar por isso. E agora, o que eu faço”? Sai daqui imediatamente, vai para casa ou para outro lugar onde seja difícil te encontrar e só volta aqui quando eu te der sinal verde. mas, vai logo agora.
Ele não se fez de rogado e se mandou. Uns dez minutos depois que ele tinha saído, chegou o Aragão, com toda calma do mundo, querendo saber quem era o Rozza Paranatinga. Eu disse que era um locutor da Rádio Itaituba, que já tinha saído, porque o seu horário havia terminado. Ele agradeceu e foi embora.
Passou quarta, passou, quinta, passou sexta, terminou a semana e do Rozza não se tinha nem notícia. No começo da semana seguinte ele ligou para mim, querendo saber como estava a situação. Eu disse que estava na mesma. Ele quis saber o que poderia ser feito para que ele voltasse à sua vida normal.
Eu lembrei que o Arquimedes Mesquita conhecia muito bem o Aragão, do qual era muito amigo. Disse que falaria com ele para ver como se resolveria aquele imbróglio. Falei com o Arquimedes. Ele me garantiu que conversaria com o Aragão naquele mesmo dia para que fosse marcado um encontro entre os dois. E de fato ele cumpriu. Mais tarde Arquimedes me ligou para dizer que o Rozza deveria ir até a usina de beneficiamento de arroz, na 7ª Rua Cidade Baixa, pertinho da Transamazônica.
Morrendo de medo o Rozza foi para o inusitado encontro. Quando chegou lá, encontrou o Aragão sentado, calmíssimo, enquanto ele mostrava estar visivelmente nervoso. O Arquimedes foi logo apresentando o Rozza para o Aragão, que nem esperou que ele se justificasse. Já foi logo dizendo que estava tudo bem, que o Arquimedes já tinha lhe contado que não tinha havido intenção do referido apresentador de ofendê-lo, porque não sabia de quem se tratava e que era para ele, Rozza, ficar tranqüilo, porque estava tudo bem. Logo depois eles trocaram um apertou de mãos.
Rozza agradeceu e cuidou de se mandar o quanto antes. Passou na rádio e a gente acertou tudo para ele retomar o seu programa no dia seguinte. Porém como se fosse uma novela, ainda haveria mais um emocionante capítulo dessa história.
Rozza Paranatinga estava começando a engrenar sua vida de promotor de festas dançantes, em Miritituba. Alguns meses depois do ocorrido, ele atravessou o rio, por volta de três da tarde, para ver como estava o som. Quando desembarcou da voadeira, na medida em que se aproximou de um dos bares que ficam por ali perto, quem ele viu? Ninguém, menos que o temido Aragão, que o reconheceu imediatamente.
O medo tomou conta do colega radialista
“Para onde você vai, meu camarada?”, perguntou Aragão. Rozza não teve forças nem mesmo para mentir. “ Vou ali em cima dar uma olhada como está o som, pois vou tocar uma festa hoje à noite”, disse Rozza. “Então vamos que eu lhe deixo lá”, falou Aragão.
Rozza pensou com seus botões: “É, não tem jeito, mesmo. Parece que hoje é o meu dia. Não há como eu correr, porque esse cara é uma fera no tiro e me acertaria fácil, fácil. Nesse caso, não tenho escolha. Vou ter que pegar a carona e seja o que Deus quiser”. Entrou no carro do Aragão e lá foram os dois para a sede onde aconteceria a bendita festa. Entrou, ligou o som, demorou lá dentro mais do que deveria, nem sabia direito porque, até que resolveu sair.
Aragão esperou, pacientemente, por mais de meia hora. Quando Rozza Paranatinga voltou, seu pensamento era um só: “Puxa vida! Esse cara é mesmo mau. Além de ir me matar, ainda está me maltratando. Não quis dar fim na minha vinda na vinda; deixou para a volta”. E feito cordeiro que vai para o sacrifício, entrou no carro, convencido de que não chegaria embaixo para pegar a voadeira de volta.
Para sua felicidade extrema, o Aragão parou o carro o mais perto possível de onde saiam as voadeiras. Quando Rozza desceu do carro, nem acreditava que estava mesmo vivo. Agradeceu e ainda ouviu o seguinte comentário de Aragão: “Camarada, você tem em mim um amigo; ninguém mexe você, porque se você é amigo do Arquimedes, é meu amigo. Tudo bem?” Tudo bem, respondeu Rozza, entrando na voadeira, que zarpou, enquanto ele via o carro de Aragão afastar-se, mal acreditando no que acabara de acontecer com ele. Estar vivo, parecia um sonho.
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