quarta-feira, maio 22, 2013

Lembranças de um tempo bom, de um lado, e ruim de outro

Como radialista trabalhando na Rádio Rural de Santarém, juntamente com meus companheiros de trabalho da época, passamos pelas agruras do período da ditadura militar no Brasil.

Não sofri tortura física, assim como não tenho conhecimento de que meus antigos colegas de profissão daquela emissora tenham sofrido. Entretanto, a gente vivia se equilibrando no fio da navalha para fazer o nosso trabalho.

Tortura psicológica todos nós sofremos, direta, ou indiretamente.

Numa certa tarde de 1976, minutos antes do começo de uma partida entre São Raimundo e São Francisco, no velho estádio Elinaldo Barbosa, em Santarém, houve um entrevero entre um sargento da Polícia Militar, de serviço no local, e um agente da Polícia Federal, bem em frente às cabines de rádio.

Eu e meu colega, o narrador Osvaldo de Andrade, a tudo assistimos, naturalmente assustados, como todos os que estavam próximos, porque os dois policiais sacaram suas armas, um apontado para o outro.

Assistimos e narramos tudo, criticando fortemente aquele desatino de dois agentes públicos que deveriam cuidar da segurança dos cidadãos. Em vez disso, estavam colocando muita gente em risco, na linha de tiro.

Felizmente chegou um PM graduado que conseguiu acalmar os ânimos.
Pouco depois o jogo começou e tratamos de nos concentrar na narração do famoso clássico Rai x Fran.

No dia seguinte, uma segunda-feira, ao chegarmos à emissora, pela manhã, já havia um “convite” para comparecermos ao quartel da PM, na Avenida Cuiabá.

O jornalista Manuel Dutra era o gerente da emissora, calejado nesse tipo de situação, pois vivia sendo pressionado pelos agentes da repressão.

Ele nos disse que nos acompanharia e orientou a mim e ao Osvaldo para que evitássemos qualquer tipo de argumentação mais forte com o comandante da PM.


Fomos encaminhados para a sala do dito cujo, que nos recebeu com cara de poucos amigos.

O que foi que aconteceu ontem no estádio, perguntou ele.

Eu relatei toda a história, e mesmo assim ele pediu ao Osvaldo que desse sua versão, que obviamente foi a mesma.

Depois de ouvir tudo, o homem virou-se para nós e questionou: vocês não acham que se excederam nos seus comentários?

Coronel, retruquei eu, parece que quem se excedeu foram os dois policiais, que colocaram em risco um monte de gente que se encontrava por perto.

Tá bom, disse o comandante; vocês estão dispensados, mas, é melhor tomarem cuidado com o que falam.

Por isso, tenho saudades daqueles tempos, quando me lembro de nossa maravilhosa equipe de esportes e dos anos de ouro do futebol santareno. Sinto saudade, também, da grande equipe de trabalho que a gente tinha na Rádio Rural. Todavia, jamais sentirei saudades daquela falta de liberdade que tornava nossa missão de informar muito difícil, até mesmo quando se tratava de um simples jogo de futebol.

Jota Parente

Nenhum comentário:

Postar um comentário