Como radialista trabalhando
na Rádio Rural de Santarém, juntamente com meus companheiros de trabalho da
época, passamos pelas agruras do período da ditadura militar no Brasil.
Não sofri tortura física,
assim como não tenho conhecimento de que meus antigos colegas de profissão
daquela emissora tenham sofrido. Entretanto, a gente vivia se equilibrando no
fio da navalha para fazer o nosso trabalho.
Tortura psicológica todos nós
sofremos, direta, ou indiretamente.
Numa certa tarde de 1976, minutos
antes do começo de uma partida entre São Raimundo e São Francisco, no velho
estádio Elinaldo Barbosa, em Santarém, houve um entrevero entre um sargento da
Polícia Militar, de serviço no local, e um agente da Polícia Federal, bem em
frente às cabines de rádio.
Eu e meu colega, o narrador
Osvaldo de Andrade, a tudo assistimos, naturalmente assustados, como todos os
que estavam próximos, porque os dois policiais sacaram suas armas, um apontado
para o outro.
Assistimos e narramos tudo,
criticando fortemente aquele desatino de dois agentes públicos que deveriam cuidar
da segurança dos cidadãos. Em vez disso, estavam colocando muita gente em
risco, na linha de tiro.
Felizmente chegou um PM
graduado que conseguiu acalmar os ânimos.
Pouco depois o jogo começou e
tratamos de nos concentrar na narração do famoso clássico Rai x Fran.
No dia seguinte, uma
segunda-feira, ao chegarmos à emissora, pela manhã, já havia um “convite” para comparecermos ao quartel da PM, na Avenida
Cuiabá.
O jornalista Manuel Dutra era
o gerente da emissora, calejado nesse tipo de situação, pois vivia sendo
pressionado pelos agentes da repressão.
Ele nos disse que nos
acompanharia e orientou a mim e ao Osvaldo para que evitássemos qualquer tipo
de argumentação mais forte com o comandante da PM.
Fomos encaminhados para a
sala do dito cujo, que nos recebeu com cara de poucos amigos.
O que foi que aconteceu ontem
no estádio, perguntou ele.
Eu relatei toda a história, e
mesmo assim ele pediu ao Osvaldo que desse sua versão, que obviamente foi a
mesma.
Depois de ouvir tudo, o homem
virou-se para nós e questionou: vocês não acham que se excederam nos seus
comentários?
Coronel, retruquei eu, parece
que quem se excedeu foram os dois policiais, que colocaram em risco um monte de
gente que se encontrava por perto.
Tá bom, disse o comandante;
vocês estão dispensados, mas, é melhor tomarem cuidado com o que falam.
Por isso, tenho saudades
daqueles tempos, quando me lembro de nossa maravilhosa equipe de esportes e dos
anos de ouro do futebol santareno. Sinto saudade, também, da grande equipe de
trabalho que a gente tinha na Rádio Rural. Todavia, jamais sentirei saudades
daquela falta de liberdade que tornava nossa missão de informar muito difícil,
até mesmo quando se tratava de um simples jogo de futebol.
Jota Parente
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