domingo, junho 01, 2014

A copa sem graça

Jota Parente - Eu tinha sete anos quando foi jogada a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Se fosse nos dias de hoje, com o bombardeio de informações a que todo mundo é submetido, inclusive as crianças, provavelmente eu me lembraria de muito mais coisas daquele evento. Para falar a verdade, não me lembro de nada a respeito dos jogos anteriores da Seleção Brasileira, até chegar à final.
            O rádio era o único meio de se informar, e somente através de emissoras de fora, porque havia apenas a Rádio Clube, em Santarém, que funcionava quase que artesanalmente. Então, o jeito era esticar uma boa antena para pegar as emissoras do Rio de Janeiro (Rádio Globo, Rádio Nacional e Rádio Mauá) ou de São Paulo (Rádio Bandeirantes). Todas elas transmitiam em ondas curtas, com bastante estática no sinal.
            Do alvoroço da final eu me lembro muito bem, porque a pequena e pacata Santarém ficou muito agitada, pois passado o período de desconfiança que pairava, ainda por causa da ressaca histórica do Maracanazo de 1950, os torcedores ficaram empolgados com a possibilidade de enfim, nossa seleção trazer a Taça Jules Rimet pela  primeira vez, conquanto a campanha para chegar até aquele momento credenciava o time canarinho como favorito, embora o jogo fosse contra os donos da casa, os suecos.
            É natural que eu não tenha lembranças fortes de detalhes da partida que começou às três horas da tarde, hora do Rio de Janeiro, que na época ainda era a capital brasileira. E nesse horário, a transmissão de rádio em ondas curtas é muito complicada, recheada de um monte de ruídos. O que eu me lembro bem é dos gols, o primeiro, que foi marcado pelos donos casa, por Nils Liedholm, aos quatro minutos de jogo, o que provocou uma tristeza momentânea muito grande, e depois, os gols do Brasil, que empatou logo aos nove minutos. Depois, foi só show de bola.
            Gilmar, Djalma Santos, Belinni, Orlando e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagalo. Naquele tempo não havia substituições e aquele time ainda contava com Joel, ponta-feira que começou como titular e perdeu o lugar para Garrincha, Mazzola, que durante a Copa perdeu o lugar para Pelé, Dida, De Sordi e Dino Sani, entre outros.
            Os brasileiros que tem 30 anos, hoje, mal lembram do time que ganhou a Copa de 1994, realizada nos Estados Unidos. Ganhou sem encantar, da mesma forma que aconteceu com o escrete de 2002. Vai sempre haver quem diga, com boa dose de razão, que é melhor não jogar bonito e ganhar, do que dar show e voltar mais cedo para casa. Isso aconteceu em 1982, com a Seleção do Brasil, que foi uma das melhores de todos os tempos, com Zico, Sócrates e Falcão, entre tantos craques. A Itália, que quase não consegue passar da primeira fase, mostrando um futebol medíocre, tirou o Brasil da Copa. E o que ficou para a história foi o título que a Azurra ganhou.
            2014 – Faltam poucos dias para a gente começar a viver a Copa do Mundo que tem sido motivo de motivo de muitas dores de cabeça para nós, que a organizamos.
Estamos propensos a escrever uma nova página na história do maior evento do futebol mundial, nada lisonjeira para a nação brasileira. Se a seleção nacional for bem dentro de campo e, principalmente, se ganhar o título, a sujeira vai ser varrida para baixo do tapete.
            Quase na hora da bola rola no jogo inicial, ainda não temos o estádio da abertura da copa pronto. E ninguém pode garantir que o estará a tempo, pois ainda faltam alguns itens, embora o Brasil tenha sido o país ao qual foi dado o maior tempo para se preparar. Mas, não se preparou. Foram tantos os erros, que como acontece em nosso país, a população até já se acostumou com muitos deles, que vão dos escândalos do superfaturamento das obras, até mortes de operários.
            Por influência do governo brasileiro, a FIFA escolheu sedes demais. Em vez de doze cidades, o máximo que se presaria seriam oito. Escolher cidades como Manaus, Cuiabá e Natal foi um erro grotesco. O pior deles foi Manaus, cujo único motivo foi a força dos políticos amazonenses, que derrotaram o Pará, que tem times que não são grande coisa no cenário nacional, no momento, mas, que tem uma torcida apaixonada, que vive lotando o Mangueirão.
            A maior competição futebolística do estado do Amazonas é o Peladão, que por lá consideram como o maior do mundo, o que nos leva a dizer; oh vantagem! Pois é, Manaus ganhou um estádio novo, moderno, no qual morreu gente trabalhando e cuja obra custou R$ 170 milhões a mais do que o orçamento inicial. Tudo isso para receber apenas quatro jogos da Copa do Mundo. E como diz o ditado, que nada é tão ruim que não possa piorar, os próprios dirigentes de clubes mais ponderados afirmam que não vai dar para jogar o campeonato amazonense naquela praça de esportes, por causa dos elevadíssimos custos de operação. Ou seja: o governo do Amazonas vai ter que encontrar utilidade para a Arena da Amazônica, após a Copa. Talvez vire um grande bumbódromo, porque para futebol é que não vai servir.
            Sem graça – Desde 1958, nunca vi uma copa do mundo tão sem graça como essa. Parece que o evento vai ser jogado em Plutão, sem direito a transmissão, mesmo que seja pelo Rádio, de tão ensossa que está sendo desenhada por todo o Brasil. O presidente da FIFA, Joseph Blater desabafou, ano passado, em Zurique, tendo afirmado que talvez a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, tenha sido o maior erro histórico da entidade. O Ronaldo Fenômeno vem a público afirmar que sente vergonha dos atrasos nos preparativos, mas, a presidente Dilma Rousseff diz que não há motivo para se envergonhar, porque o Brasil vai realizar a maior de todas as copas.
            Em copas passadas, mesmo quando o Brasil fez campanhas pífias, a torcida se empolgava quando o início do evento se aproximava, enfeitando ruas, casas e carros. Nesta, em território nacional, nada, rigorosamente nada se vê, apesar do esforço da Rede Globo, que tenta motivar o torcedor a qualquer custo. O desânimo é a tônica do comportamento do torcedor brasileiro, muito mais por causa da situação presente do nosso País, do que por outros motivos.
O torcedor tem um otimismo moderado quanto ao que poderá fazer sua seleção. Parte da credibilidade foi recuperada após a inquestionável conquista da Copa das Confederações, em 2014. Porém, com a facilidade de acesso à informação que se tem hoje em dia, todos nós sabemos que não existe um grande favorito. Seleções fortes virão brigar pelo título. É o caso da Argentina, da Espanha, da Holanda, da Inglaterra, da Alemanha e da França. Isso, se não surgir nenhuma surpresa. Andam falando muito bem da seleção da Bélgica.
O Jornal do Comércio editou uma matéria publicada semana passada pela respeitada revista francesa, France Football, que reservou dez páginas para falar mal, mas, muito mal do Brasil, tendo como pano de fundo a Copa do Mundo. Eu só não gostei dos exageros que foram publicados, frutos de desinformação, ou de pura maldade. Eu não tenho complexo de cachorro vira-latas, quando falo do meu país. A gente tem muita coisa boa, mas, há muitas verdades na tal matéria, das quais a gente deveria sentir vergonha, em vez de xingar os gringos.
Não faltam motivos para essa gradativa perda de interesse por esse acontecimento desejado pelo mundo inteiro. Isso foi sendo construído com o passar do tempo. Não é que o brasileiro tenha deixado de gostar de futebol. O modo como o futebol vem sendo tratado ao longo do tempo por aqui é que determinou isso. Até o começo da década de 1990 o torcedor sabia a escalação do seu time, entrava ano, saía ano, porque mudavam poucas peças. Atualmente, somente os torcedores mais apaixonados o sabem, e olha lá se sabem!
Os atletas passaram a sair cada vez mais cedo do Brasil para jogar em clubes estrangeiros, sobretudo da Europa. Porém, costumavam ir para a Espanha e Itália, principalmente. Depois, para a Inglaterra, Alemanha, França e Portugal. Nos últimos anos eles vão para tudo quanto é país. Teve jogador na seleção da Copa das Confederações, que foi apresentado ao torcedor no decorrer da competição.
Esse êxodo de jogadores de todas as idades, fruto da famigerada Lei Pelé, distanciou os melhores atletas do torcedor. Antes, havia uma grande expectativa na nação brasileira, quando ia ser anunciada uma convocação da seleção para uma copa. Os torcedores dos maiores times ficavam fazendo figa para que jogadores de suas equipes fossem convocados. Tu viste, foram convocados tantos do Santos, tantos do Botafogo, tantos do Corinthias, tantos o Flamengo, tantos do Vasco, e assim por diante. Nessa seleção, à exceção de Fred, que é um dos artistas principais da companhia, todos os outros que jogam em clubes do Brasil não passam de coadjuvantes.

Sou brasileiro, com muito orgulho, e naturalmente torcerei por nossa seleção. Espero que ela jogue bem e, de preferência, que fique com o título. Entretanto, diferentemente do que aconteceu em 1982, quando passei mal no final do jogo com a Itália, quando perdemos por 3x2, ficarei triste se a seleção não ganhar, mas, não perderei meu sono por causa disso, porque para mim, essa está sendo a mais desenxabida de todas as copas que acompanhei. E olha que como cronista esportivo, eu acompanhei a todas elas, de 1970 para cá, com grande interesse. Espero, que pelo menos dentro de campo essa sensação seja mudada, pois fora de campo está muito ruim.

Publicado na edição 180 do Jornal do Comércio, circulando desde de sexta-feira à tardinha

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