terça-feira, março 10, 2015

A Federação quebrada. O Pará sustenta o Brasil. R$ 30 bi no ralo da Lei Kandir

“Essa lei é uma crueldade contra o povo paraense e contra os estados produtores de commodities. A Vale, que pratica trabalho escravo, não deixa um centavo de imposto para nosso Estado, apenas leva riquezas. "Temos bolsões de miséria, o maior índice de infecção por HIV e hanseníase, doenças da pobreza. Um estado que bate no peito dizendo que é o primeiro da pauta de exportação, mas não pode dizer que tem condições de investir em saúde e educação".


Entrevista com o deputado federal Edmilson Rodrigues

Por Manuel Dutra

O deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL/PA) defendeu a regulamentação da Lei Kandir, na sessão de instalação da Comissão de Finanças e Tributação, da qual é membro titular, no último dia 4, na Câmara Federal. "O meu sonho é que a Lei Kandir seja extirpada da Constituição Federal por que agride a soberania e a autonomia dos estados. Sou contra a Lei Kandir e vou lutar para que seja ao menos regulamentada a fim de que o governo federal pague a justa compensação pelo não recolhimento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na exportação de minérios. Nós (Pará) perdemos mais de R$ 30 bilhões por conta da não regulamentação", defendeu durante a sessão. Edmilson é membro titular de outras duas comissões.

Na primeira comissão, Edmilson pretende opor-se à PEC 215/2011, que retira do Executivo a competência para demarcar terras indígenas. Para ele, essa proposta é um ataque violento aos direitos dos povos indígenas. “As empresas querem dizimar os indígenas e os recursos de nosso território."

Outro enfrentamento será a pauta do agronegócio em constante conflito à preservação ambiental. “A Amazônia é o principal palco dessas contradições ambientais brasileiras. É lá onde estão os recursos naturais, hídricos, água doce em grande quantidade e biodiversidade. As grandes multinacionais querem obter lucro de nossa riqueza enquanto nosso povo empobrece. A crise social está ligada à crise ambiental.”

A seguir, a entrevista:

Pergunta - Quais as chances efetivas de alteração da Lei Kandir. No atual Congresso, tal alteração é possível?

Resposta - É quase impossível porque o Lula transformou a lei em dispositivo constitucional, o que exigiria 3/5 dos votos dos congressistas para alterá-la. Como os estados do Centro-Sul, que têm as bancadas majoritárias, não têm interesse na mudança, ela se torna impossível numa conjuntura a curto prazo. Mesmo porque a isenção que a Lei Kandir oferece à exportação de produtos primários ou semi-elaborados serve para a exportação a outros países e também para outros estados da federação. Por exemplo, se a Companhia Siderúrgica Nacional compra da Albrás/Alunorte ou da Vale os insumos para a sua produção, ela está na verdade sendo beneficiada pela Lei Kandir. O vendedor pode dar descontos a depender do contrato. A mudança possível é aperfeiçoar as propostas de regulamentação da Lei Kandir. Há algumas, sofrendo embargos de gaveta por falta de força política do governo do Pará. A regulamentação está prevista na Lei Kandir, porque essa lei definirá o que a União deverá repassar aos estados exportadores como compensação da isenção fiscal que o estado é obrigado a dar aos exportadores. A Lei Kandir é uma aberração jurídica, tendo em vista que o ICMS é um imposto estadual e que, numa federação, a autonomia dos entes federados é um princípio pétreo, não pode ser desrespeitado. Porém, tanto o FHC quanto o Lula, decidiram rasgar a Constituição Brasileira e impor um prejuízo inominável ao povo paraense. É possível afirmar que, aproximadamente, R$ 30 bilhões é o tamanho do rombo que a Lei Kandir impôs ao estado do Pará desde o início da sua vigência, em 1996.

P - O Sr. já fez contatos com as diversas bancadas a respeito, na situação e na oposição? Quais os grupos de parlamentares mais propensos a apoiar, de fato, essa mudança?

R - Sou membro titular da Comissão Mista do Orçamento e Controle do Congresso Nacional, que reúne deputados e senadores e que ainda não foi instalada. Mas também sou membro efetivo da Comissão de Finanças e Tributação, sendo que na primeira sessão dessa comissão, coloquei a questão da Lei Kandir. A presidente da comissão Soraya Santos (PMDB/RJ), respondeu colocando interesse em pautar o tema da regulamentação da Lei Kandir. Os principais partidos são representados nessa comissão. Eu gostaria de extinguir a Lei Kandir, mas consciente de que não há correlação de forças suficientes, pelo menos, busquemos a regulamentação para garantir a compensação ao Pará pelas perdas financeiras.

P - No Pará, que grupos são favoráveis ou indiferentes à manutenção da Lei Kandir?

R - Do ponto de vista das manifestações públicas, todos os setores políticos e econômicos têm se manifestado favoráveis à regulamentação. Na Assembleia Legislativa, mesmo os tucanos que criaram a lei, e os petistas que governam o país, quando por mim questionados, dizem que é justo porque é o interesse do estado do Pará que está em questão. Contudo, não percebo um movimento que demonstre disposição de se pintar para a guerra. Já avoquei o governador, da tribuna, desde a Assembleia, por diversas vezes, a assumir a liderança de um processo que mobilizasse todos os segmentos sociais e todas as lideranças políticas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as universidades, os movimentos sociais etc, para dar visibilidade a esta injustiça. Na minha avaliação, todos se dizem favoráveis, mas as grandes mineradoras, madeireiras e donos do agronegócio são financiadores de campanha e são contrários, não têm interesse na verticalização produtiva no nosso estado porque perderiam as benesses da Lei Kandir. Isso demonstra o caráter perverso da Lei Kandir: quem exporta montanhas de minérios de ferro, níquel, prata, ouro e cobre, e milhões de toneladas com o desmatamento das florestas, quem exporta boi em pé têm isenção total do ICMS. Por que teriam interesse em implantar indústria de transformação do minério, da madeira, dos laticínios se isso implicaria em que os produtos industrializados ao serem vendidos seriam taxados em 16 ou 17%?

P - No caso específico do Pará, essa lei significaria, então, a manutenção de uma situação de colonização interna por parte do governo central e dos Estados industrializados?

R - Exatamente. Ela representa uma intervenção e um constrangimento à autonomia do estado e inviabiliza qualquer outro modelo econômico que não seja o de "comoditização" da Amazônia. Nós só temos o direito de reproduzir a velha tese do David Ricardo, que é a Teoria das Vantagens Comparativas. Acontece que, o que se diz ser vantagem, é o próprio sepultamento do futuro. Porque não é vantajoso sangrar os recursos do território em favor de alguns poucos oligopólios à custa do aprofundamento da crise ambiental e social expressa tanto nos índices de agressão à biodiversidade, como na pobreza estrutural do estado que tem nos colocado na liderança de todas as mazelas: violência, prostituição infantil, trabalho escravo, pobreza, qualidade da educação e da saúde, conforme os próprios índices oficiais apontam, como Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e outros têm demonstrado.

P - Que outros Estados se batem pelo fim da Lei Kandir?

R - Os estados que mais perdem são Pará, Minas Gerais, Amapá e Espírito Santo.Vale notar que a Zona Franca de Manaus exige benefícios fiscais anuais na ordem de mais de R$ 20 bilhões. É o estado nacional bancando a manutenção das indústrias lá, o que permite que as exportações do Amazonas sejam taxadas. O que, de forma alguma, significa que o Amazonas também não seja vítima das desigualdades inter regionais do país.

P - De que forma e onde, no Pará, a Vale pratica trabalho escravo?

R - No mês passado, os veículos de imprensa estamparam que fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego interditaram o canteiro de Mina do Pico, em Minas Gerais, onde a Vale foi responsabilizada por submeter 309 pessoas ao trabalho análogo ao de escravo, através de uma empresa terceirizada. Os trabalhadores cumpriam jornadas exaustivas, condições degradantes e foram vítimas de fraude, promessa enganosa e ameaça. 

P - Situação dos indígenas, do agronegócio, da poluição dos rios, dos bolsões de miséria em torno de mineradoras e hidrelétricas em construção – o Pará é, então, um vale de lágrimas ou está em véspera de explodir na paciência popular?

R - O território resiste. No entanto, essa resistência dos lugares têm sido debilitada pela ação hegemônica das corporações que determinam as políticas para o estado brasileiro. Contraditoriamente, projetos como Belo Monte e as hidrelétricas no Tapajós, que não puderam ser viabilizados pelo regime militar ou pelos governos Collor, Itamar e FHC, ganharam eficácia no governo que diz-se popular. Vale lembrar que o diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, foi promovido para presidente da Eletronorte e, posteriormente, para presidente da Eletrobrás. Isso mostra a força que ganharam as corporações que controlam os governos e a maioria dos políticos do país. Mas o fato de o estado brasileiro ter conseguido dar eficácia a alguns grandes projetos na Amazônia elaborados desde o regime militar, não elimina o potencial de conflitividade. Ao contrário, são os povos tradicionais, indígenas, do Xingu e do Tapajós, que têm nos dado o exemplo de disposição de luta para combater essa vassalagem que, em última instância, é o avassalamento da nossa soberania territorial.

P - Por exemplo, no vale do Tapajós há 7 municípios, com cerca de 600 mil habitantes, sendo diretamente impactados pela contaminação/poluição dos garimpos ilegais do médio curso do rio e seus afluentes. Denúncias têm sido feitas, muitas, nos últimos 2 anos, mas o governo nada faz. Barro, mercúrio, cianeto, produtos extremamente venenosos estão sendo despejados no grande rio, ameaçando repetir a situação de 25 anos atrás, quando cardumes e pessoas foram contaminadas por mercúrio. Naquela época a situação só amenizou depois da queda considerável dos preços do ouro no mercado internacional. Como o Sr. vê isso hoje? Quem manda nos garimpos da bacia do Tapajós? 

R - O Ministério das Minas e Energia, nos últimos anos, foi dominado pelo grupo do Sarney. O ministro Edson Lobão era quem coordenava as políticas para o setor e as instituições responsáveis pela concessão de licenças para a exploração mineral. Do petróleo a uma pequena mina de ouro, todas as ações estavam sob o controle dessas forças políticas. Pela importância econômica e complexidade, é óbvio que o Sarney foi obrigado a partilhar secundariamente a participação política na gestão da indústria mineral. Tudo indica que o senador peemedebista, ex-governador do Amazonas e novo ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, não mudará os rumos dessa prosa.Talvez a menor capacidade de investimento nas obras do PAC devido à profunda crise a que economia brasileira está submetida, paradoxalmente pode dar fôlego para que as resistências populares possam enfrentar em melhores condições e quiçá inviabilizar a ação das corporações mineradoras e de energia. A crise atrasa o início de alguns empreendimentos e vai diminuir o ritmo dos empreendimentos existentes, tendo em vista a redução dos recursos públicos disponíveis para a área mineral e a energética, que, em alguma medida, estão conectadas entre si, basta ver o caso Belo Monte. Quiçá essa conjuntura de crise financeira paradoxalmente possa permitir um fôlego aos movimentos sociais de resistência a esses vetores de crise que só beneficiam alguns, se constituindo em violência contra os povos indígenas, as comunidades tradicionais e, porque não dizer, a todo o povo paraense.

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