Marilene Parente - Um
estudo desenvolvido em Porto Alegre faz uma crítica cultural da mentalidade
sobre a situação do idoso no atual contexto sociocultural pós-moderno. Valho-me
dele para tratar de um assunto tão importante, mas, ao qual nossa sociedade dá
pouca importância, o idoso. Existe uma dificuldade na cultura moderna em
abordar a questão do idoso. A velhice é um assunto vergonhoso do qual é
indecente falar. Trata-se de um tabu que é melhor esquecer, por ser um assunto
que incomoda. Vive-se uma contradição entre a busca de uma sempre maior
longevidade e uma crescente situação de marginalização e obsolescência do
idoso.
Constata-se
que, por um lado, a ciência busca a realização do sonho da imortalidade mas,
por outro, a economia aponta para a inutilidade do idoso reduzido à sua
condição de puro consumidor de produtos que prometem longevidade. Em todos os
países desenvolvidos e em desenvolvimento a expectativa de vida aumentou
consideravelmente no último século. Em 2000 a expectativa de vida no Brasil era
de 64,8 anos para os homens e 72,5 para as mulheres. Em 20 anos a estimativa de
vida dos brasileiros aumentou 7,6 anos para os homens e 8,2 para as mulheres.
Se
em 1940 a participação da população com mais de 65 anos era de 2,4%, em 2000
era de 5,8%. As últimas projeções indicam que esse segmento será de 15% da
população no ano de 2020. O aumento de longevidade é causado pela melhoria dos
níveis de nutrição e dos serviços de saúde. A esse crescimento da estimativa de
vida não correspondeu uma valorização social das pessoas idosas. Elas são
sempre mais vistas como um estorvo para as famílias e fator de gastos
previdenciários.
A
geriatria e a gerontologia preocupam-se em alongar quantitativamente e melhorar
qualitativamente a vida dos idosos, mas a mentalidade sociocultural que
valoriza o ideal da juventude e as estruturas político-econômicas que favorecem
a utilidade social das pessoas não sabem bem o que fazer com os idosos sempre
mais presentes no cenário social.
Se,
numa situação abastada, a presença do idoso é um problema e motivo de
preocupação, na família pobre de periferia o idoso é disputado, porque é um
fator de ingresso de renda e em alguns casos o único sustento da família por
meio da parca aposentadoria. Por outro lado, a mulher idosa exerce um papel
importante no cuidado da casa e dos netos, enquanto os outros membros adultos
trabalham fora.
Nesse
sentido o idoso pobre pode passar necessidade por ter uma aposentadoria
insignificante, mas, por outro lado, sente-se valorizado e útil ao convívio
familiar. Mas essa valorização pode também ser interesseira, engendrando
relações patológicas de manipulação e aproveitamento em detrimento do bem estar
do idoso. Assim a ancianidade é, por um lado, uma questão demográfica e
gerontológica que aponta para uma crescente melhoria quantitativa e qualitativa
da vida dos idosos e, por outro, é uma questão sociocultural e econômica que
não se sabe como lidar, porque incomoda e cria mal-estar. O problema ético de
fundo da situação do idoso tem sua origem nessa esquizofrenia e contradição
entre valorização e desvalorização da senectude. A causa dessa esquizofrenia
está na crise do paradigma cultural que sustenta a sociedade atual.
A
identificação entre trabalho e emprego leva a que o aposentado se sinta inútil
já que não consegue mais ser aceito num trabalho com vínculo empregatício e,
portanto, receber salário. Na mentalidade atual, o trabalho assalariado é
socialmente reconhecido. Só a pessoa com emprego é reconhecida como útil para a
sociedade. Essa compreensão cria uma consciência de inutilidade e obsolescência
no aposentado. Essa consciência cresce com o aparecimento dos achaques da
velhice e na medida em que lhe é conferido o papel reconhecido de
aposentado/idoso que engloba o direito de não trabalhar e receber a assistência
social.
Os
valores que a cultura atual favorece dificultam a vivência do processo de
envelhecimento. Essa dificuldade leva a desenvolver sucedâneos e a criar tabus
que eludem a realidade da senectude. Faz parte de uma velhice sadia a aceitação
tranquila das deficiências e fraquezas inevitáveis que a longevidade impõe e a
consequente reconciliação pacífica com a perspectiva da morte. Mas a cultura
atual, movida pela utopia da saúde perfeita, não consegue oferecer recursos
simbólicos que ajudem a essa integração sadia da ancianidade.
Num
mundo sanitariamente perfeito, a velhice é transformada em doença que precisa
ser debelada. Não existe lugar reconhecido para os idosos porque estes não
correspondem ao ideal de pessoa em perfeitas condições. Eles são recolhidos nos
asilos e clínicas, porque são um estorvo num mundo organizado para a
produtividade. São escondidos do convívio porque estampam, no seu rosto, as rugas
da velhice que incomodam o estereótipo cultural da eterna juventude. A figura
do idoso questiona a idealização atual do jovem, porque lembra
inconscientemente a esse que ele será um dia o que o ancião é hoje. Essa
lembrança é indecente para a cultura atual. Por isso é melhor esquecê-la e não
falar dela. Nessa situação cultural, o idoso não tem um lugar nem um papel
social reconhecidos.
Marilene
Parente, bacharel em Direito - Artigo publicado na edição 199 do Jornal do Comércio, que circulou no começo desta semana
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