sexta-feira, junho 12, 2015

Seu Maurício, 89 anos e uma rida história de vida pra contar

Maurício Batista de Oliveira está chegando aos 89 anos, que serão completados no próximo dia 10 de junho. Nasceu no interior do estado de São Paulo, no ano de 1926, na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, que na época era apenas uma pequena aglomeração de pessoas que viviam da agricultura, e que tem atualmente 46 mil habitantes. Desses 89 anos de vida, 33 anos tem sido vividos em Itaituba.
Filho de pai espanhol (José Batista Gomes) e mãe brasileira (Natália Carlos de Oliveira), totalmente lúcido, apenas com limitações na audição, com muita história para contar, ele recebeu a reportagem do Jornal do Comércio para uma longa conversa que rendeu a reportagem a seguir, em sua chácara de 50 metros de frente por 180 de fundo, muito bem localizada na Quarta Rua do bairro da Floresta:
JC – É verdade que seu pai, seu José Batista Gomes, foi combatente na primeira guerra mundial?
Maurício – Sim, é verdade. Meu pai contava que ele lutou naquela guerra durante três anos. Participou de muitos combates, vendo muita gente morrer no campo de batalha. Um dia ele encontrou um primo dele que trabalhava em um navio cargueiro que transportava carvão mineral para outros países. O primo perguntou se papai gostaria de deixar aquela guerra na qual poderia morrer a qualquer momento. Ele respondeu que sim, mas, não sabia como. Então o primo lhe disse que naquela noite seu navio iria partir para o Brasil com uma carga de carvão. Se ele quisesse, que fosse até o porto onde havia vários homens carregando o navio.
Ele deveria pegar uma pá e trabalhar junto com os demais, sujando-se ao máximo para não ser reconhecido. Papai não se fez de rogado, foi para o porto, trabalhou o dia todo, e quando os trabalhadores foram para bordo ele foi junto, misturando-se a eles para que algum espião o reconhecesse. Ele dizia que depois que o navio já estava em alto mar, deu um adeus à sua terra natal. Adeus, Espanha! Talvez a gente nunca mais se veja, disse ele, que nunca mais voltou lá.
JC – Até que idade o senhor viveu em Santa Cruz do Rio Pardo e como era a vida lá?
Maurício – Santa Cruz do Rio Pardo fica perto da divisa com o Paraná. São mais ou menos trinta quilômetros de distância. Também fica próximo de Ourinhos. Nós moramos sempre no interior, trabalhando no campo. Meu pai produzia café e plantava também milho, arroz, feijão e outras lavouras. Mas, o forte era o café. Vida dura aquela que a gente levava, com muitas dificuldades. Ficamos lá até quando eu tinha entre dezessete e dezoito anos.
JC – O senhor teve alguma oportunidade para estudar?
Maurício – Não, eu nunca peguei em uma bolsa para ir à escola; nunca entrei em um grupo escolar. O pouco que eu aprendi foi por causa de um tio meu, irmão de meu pai, que era engenheiro e me ensinou a ler e a escrever um pouco. Sou muito bom mesmo é de matemática.
JC – Depois, sua família mudou para onde?
Maurício – Fomos para o município de Santa Maria, no Norte do Paraná, cerca de 50 quilômetros distante de Londrina e menos de 100 quilômetros de Santa Cruz do Rio Pardo. Até os 57 anos eu fiquei lá, trabalhando o tempo quase todo no campo. Durante um ano eu exerci a profissão de sapateiro, mas, depois voltei para a roça. Casei aos 26 anos e fiquei mais dois ao lado do meu pai. Um dia eu resolvi que era hora de tocar a minha vida por conta própria. Um dia, enquanto eu e meus irmãos esperámos que meu pai fosse levar o nosso almoço eu disse para eles: eu vou falar pro pai que eu vou embora. Um deles respondeu que papai não iria gostar. Eu falei que já era casado e que tinha um filho, portanto, tinha que cuidar da minha vida. Quando meu pai chegou eu comuniquei a ele minha decisão.
Foi assim que eu e minha primeira esposa (falecida) Terezinha Dias Batista saímos da aba do meu pai. Nós tivemos cinco filhos, que são: Ademir, Adevair, Antônio, Edna e Sérgio. Hoje tenho vários netos, bisnetos e até tataranetos.
JC – Como se deu sua vinda para o Pará, quase aos 60 anos?
Maurício – Eu tinha uma terra lá no Paraná, que eu vendi e comprei uma serraria em Altônia. Foi um negócio que me deu muito trabalho e muita dor de cabeça. Caminhões quebravam, os meus filhos eram muito novos e eu não queria que eles mexessem com toras, porque era um serviço muito perigoso. Houve alguns sustos com acidentes que felizmente não deixaram ninguém machucado, e isso me levou a vender a serraria.
            Peguei a família, botei em um caminhão e viemos para Altamira, onde troquei o caminhão em dois lotes de terra, mas, encontrei muitas dificuldades. Um dia a gente estava sentado em uma árvore caída, na roça, conversando, quando eu disse para minha mulher: olha, amanhã eu estou pensando em ir a Itaituba. Nós tínhamos uma Kombi e Terezinha era uma mulher muito disposta. Ela respondeu: Vá lá! Se tivermos que mudar para lá, mudaremos. Cheguei em casa, tomei banho e peguei o ônibus da noite, que saía para Itaituba. Vim sozinho.
Cheguei aqui e fui para a casa de um cunhado meu, Toninho, que ainda hoje mora aqui. Nisso chegou um homem ao qual fui apresentado, que me perguntou se eu estava aqui para comprar alguma casa, ou uma terra. Eu respondi que queria comprar um pedaço de terra. Foi então que ele me trouxe para ver essa área, que hoje forma a minha chácara e de um filho, pegada uma da outra. Gostei e fechei o negócio por 150 mil não sei o que, porque nem me lembro qual era o dinheiro da época (era o Cruzeiro Cr$).
Voltei para Altamira e comuniquei à mulher que havia comprado essa terrinha. Ela disse, então vamos embora. Era uma mulher muito disposta. Eu já tinha dois filhos casados, que moravam comigo, o Ademir e o Adevair (Zero Vinte). Quando chegamos aqui, começamos do zero. Começamos a desmatar, fizemos essa casa e aqui estamos até hoje. Era tudo mato. Perto daqui só morava um senhor. Não havia rua, nem estrada. Só um caminho. Isso foi em janeiro de 1982.
JC – Qual foi sua atividade primeira ao chegar a Itaituba?
Maurício – Começamos plantando horta. Plantava alface, cebola, coentro, couve, pepino e outras coisas. Naquele tempo as hortaliças rendiam um bom dinheiro. Eu cheguei a ter durante um bom tempo, mais de cem canteiros. Era tudo verdinho. Era tudo muito bem cuidado, que causava admiração das pessoas, pois era tudo limpinho, com os caminhos bem limpos para andar entre os canteiros.
JC – Então, a horta deu bons lucros?
Maurício Deu, sim. Com dinheiro da horta eu comprei mais dois terrenos atrás deste aqui, comprei um lote no Trairão, fiz casa junto com minha atual esposa, Maria dos Santos de Oliveira, comprei carro. Naquela época a gente vendia muito para os garimpos. A gente entregava entre 200 e 300 maços de cheiro verde todo santo dia. Também produzíamos tomate, quiabo e maxixe, e tudo isso era consumido tanto pelos garimpos quanto pela cidade, onde a gente entregava, todo dia, no mínimo, 150 pés de alface, 150 maços de cheiro verde e o que mais tivesse. O garimpo nos deu bons lucros, sim.
JC – O senhor ainda trabalha cuidando das plantas, já que há um grande número de pés de acerola que lhe dá uma boa renda?
Maurício – Muito pouco. Hoje em dia, quem cuida mais é a Maria. Vou fazer 89 anos no próximo dia 10 de junho e por causa da idade me sinto cansado. Ainda faço alguma coisinha, aqui e ali, mas, pouca coisa. Minha esposa Maria gostaria que a gente fosse morar no Trairão, onde temos casa, porque é um espaço menor. Acontece que eu gosto muito daqui, exatamente por causa do espaço grande, que deixa a gente à vontade para andar para um lado ou para outro. Estamos no meio da cidade; tudo que se precisa a gente tem. Trairão é uma cidade pequena, onde não tem tudo que a gente precisa. Eu não me vejo fora daqui deste lugar.
JC – O senhor tem uma família abençoada...
Maurício – Graças a Deus, eu tenho uma família muito boa. Meus filhos são todos muito bons filhos, minhas noras são muito boas comigo, tenho uma ótima esposa, sou muito amado pelos meus netos. Tenho uma família muito unida.
JC – Com essa bela história de vida que o senhor escreveu, se pudesse, mudaria alguma coisa, ou acha que fez tudo como deveria ser feito?
Maurício – Eu me considero muito satisfeito com a história de vida que eu construí. Não mudaria nada. Até mesmo a decisão de vir para Itaituba em um período em que a cidade era só barro, muita poeira no verão e lama pra todo lado no inverno, com muita violência, muitas mortes, foi uma decisão acertada, porque aqui a gente se encontrou, se deu bem, onde eu e minha família construímos as nossas coisas aqui. E eu gosto mais da vida que a gente leva hoje. Então, deixaria essa história do jeito que ela está escrita.

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