O homem se comunica por radiotransmissor com o chefe do tráfico. Enquanto a licença não é concedida, os policiais, fardados, esperam, amontoados na entrada principal da comunidade. O procedimento acontece em pelo menos sete das 38 UPPs do Rio.
Na Vila Cruzeiro, na Chatuba e no Parque Proletário
da Penha — no Complexo do Alemão —, e também no Caju, na Mangueira, no São
Carlos e na Rocinha, o estado voltou a perder o controle do território, num
retrocesso à era pré-UPPs. Em alguns casos, os policiais são impedidos de
entrar até em becos e vielas, como ocorre na Rocinha. Lá, o acesso deles é
restrito às vias principais.
Os policiais também são proibidos pelo tráfico de
usar o celular. Se os criminosos percebem o uso do aparelho, passam em carros
com o cano do fuzil do lado de fora da janela e simulam a retirada do pino de
granadas para intimidar a tropa.
A pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes, Silvia Ramos, autora de
quatro pesquisas sobre o tema UPP, confirma que, atualmente, os policiais
militares vivem um dilema: ou aceitam as imposições do tráfico ou trocam tiros
com os criminosos, com o risco de baixas no lado deles e também de moradores de
comunidades.
— Eles podem aceitar conviver com grupos armados
ilegais e ocupar parte da comunidade, o que, de certa forma, significa aceitar
não patrulhar toda a favela. Isso desmoraliza a tropa.
Outra solução é trocar tiros com os criminosos o
tempo todo, o que é ruim para os policiais, que acabam vítimas, como também
para os moradores. Temos que avaliar tudo com cautela. Vejo com muita
preocupação o que está acontecendo hoje. Os policiais estão desestimulados. A
solução é ter um trabalho de inteligência para a retirada das armas.
Definitivamente, a solução não é disputar território e ficar trocando tiros com
criminosos — opina a especialista em segurança pública.
Por nota, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora
disse que não vai comentar o fato de os policiais terem que pedir autorização
ao tráfico para entrar nas favelas.
Por sua vez, os policiais que precisam pedir
licença para entrar em determinadas comunidades reclamam que não tiveram
treinamento adequado para os enfrentamentos nas favelas. A maior parte dos
9.500 agentes que trabalham em UPPs (de uma tropa de 45.463) está um pouco
acima da categoria novatos. A maioria entrou para a polícia no concurso de
2010, que admitiu 20 mil agentes.
Eles tiveram apenas seis meses de curso para
aprender suas funções. A formação-relâmpago, que foi ampliada para oito meses e
hoje já tem a duração de um ano, ganhou até o apelido de miojo, em referência
ao macarrão instantâneo que fica pronto em três minutos.
— É desumano colocar um policial recém-formado
direto numa área conflagrada há anos. A sobrevivência lá é muito difícil. Já vi
um colega morrer do meu lado. Todo dia é uma batalha. Todos temos medo de
morrer — disse um policial que trabalha numa favela com UPP.
Segundo ele, na época do Curso de Formação de Soldados
(CFSD), a parte teórica era extensa, com disciplinas ligadas ao direito, além
de técnicas para abordar as pessoas e mediar conflitos, justamente por causa da
política implementada nas UPPs.
Em compensação, as aulas práticas de tiro, não
seguiam o mesmo ritmo. O policial conta que só deu 200 tiros no curso inteiro
de formação, quantidade que é gasta em poucas horas na guerra que vem sendo
travada no Jacarezinho, na última semana.
O sociólogo Ignacio Cano, coordenador do
Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Uerj, faz críticas ao treinamento:
— O treinamento é muito limitado. Temos uma tropa
que atira pouco no curso, mas muito na rua, quando o ideal é o contrário. Há
dois anos, já houve o reconhecimento de que o preparo dos policiais das UPPs
era insuficiente para enfrentar determinadas situações de tensão.
Alguns foram treinados novamente, mas ainda não é o
suficiente. Esse negócio de pedir autorização para entrar em favela já está
acontecendo há algum tempo. E ainda há situações em que o policial recebe do
tráfico. A corrupção é um problema sistêmico que abrange não só todas as
patentes da polícia, como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário
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