São trinta capítulos recheados de fatos inusitados, detalhes sobre lugares e culturas de países do nosso continente sul-americano, durante os 54 dias que ficamos na estrada. Hoje, o primeiro capítulo.
Lembrando que estou me preparando para a quarta expedição, essa, novamente longa, para o extremo sul da Argentina.
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A Expedição, Tintim por Tïntim
Capítulo I
Já
foi relatado em edições anteriores que nossa partida de Itaituba,
no dia 7 de outubro de 2008 foi muito conturbada, por conta da
superlotação do barco/motor Joana D’Arc. Até
a Polícia Militar foi chamada para botar ordem na confusão
estabelecida. Chegamos a pensar que não viajaríamos. Embarcamos e
viajamos, sem conseguir armar nossas redes. Em compensação, a
viagem de Santarém para Manaus foi
confortabilíssima, no navio São
Bartolomeu II. Chegamos a Manaus às 11 horas do dia 10/10/2008.
Os
785 quilômetros de Manaus até Boa Vista foram bem complicados. Para
começar, estávamos iniciando (em 11/10/08) a grande jornada, que
consistia em dar a volta de motocicleta pela América do Sul. A
ansiedade em colocar as máquinas na estrada era muito grande.
Estávamos partindo para o desconhecido, ávidos por avançar ao
máximo. Saímos às seis horas, pegando a BR 174. Nos primeiros 200
quilômetros a gente trafegou por uma rodovia em boas condições, o
que nos permitiu avançar bastante. Depois disso, principalmente na
grande área da reserva dos índios Ianomâmi, enfrentamos uma
buraqueira que parecia não tem fim. Os trabalham de manutenção não
passavam por lá há muito tempo.
No
quilômetro 385, uma nuvem negra avisou-nos que a chuva estava
chegando. Eu tinha capa, mas, decidi não usá-la; o Jadir ainda não
tinha comprado a sua. A chuva era certa, mesmo porque estava chovendo
bastante naqueles dias por aquelas bandas. Mesmo assim, decidimos
encarar. Só não nos arrependemos amargamente porque estávamos
determinados a chegar a Boa Vista naquele dia. Não foi nada fácil,
pois a não ser por alguns pequenos intervalos, a chuva só nos
largou por volta de oito a noite. Às nove da noite, quando
finalmente chegamos à capital do Estado de Roraima, já não chovia.
Também, não precisava, pois não havia um só item, uma só peça
de roupa em nossas mochilas que não estivesse completamente molhada.
José
Maria, empresário muito bem de vida, que nos anos oitenta trabalhou
em Itaituba, com o então poderoso empresário Zé Arara, foi nos
receber no terminal rodoviário, local que acertamos para nos
encontrar. Fomos muito bem recebidos e tivemos uma estada magnífica
em Boa Vista. Para nossa sorte o domingo foi de muito sol, o que fez
com que tudo enxugasse. Na segunda-feira, 13/10, às oito horas,
fomos resolver questões burocráticas e tratar da revisão de 1.000
quilômetros da moto do Jadir. Gastamos quase oito horas nessas
tarefas. Ainda bem que o Zé Maria nos avisou que precisávamos tirar
uma tal licença para rodar com nossas motos na Venezuela, único
país da América do Sul que exigia isso. Se não, quando chegássemos
à fronteira teríamos que retornar. Só às 15:40 deixamos Boa
Vista. Corremos bastante, uma vez que vencemos os 215 quilômetros em
pouco mais de duas horas.
Foto com policial de trânsito de Medellin, Colômbia |
Entramos
na residência do padre Jesus, que alquebrado pelos seus quase 70
anos, veio nos atender visivelmente nervoso. Ele tremia, enquanto
ouvia nossa história, parecendo estar diante de dois bandidos com
armas apontadas para ele. Quando perguntamos se poderia nos acolher
por aquela noite, foi logo nos dizendo que havia uma ordem expressa
do bispo de Boa Vista proibindo alojar qualquer pessoa que não fosse
diretamente ligada à Igreja Católica. O motivo: em Caracarai, o
padre local deu abrigo a três jovens, que durante a noite roubaram
tudo que puderam. Além disso, um carro da diocese tinha dado carona
a uma pessoa. O veículo capotou e a pessoa morreu. Isso custou muito
caro aos cofres da Igreja Católica de Roraima. Tivemos que procurar
um hotel, desses que cobram uma tarifa por um pernoite, ou cobram por
hora, para casais.
No
dia 14 de outubro, terça-feira, cedinho preparamo-nos para
atravessar a fronteira. Carimbamos o passaporte na aduana brasileira
dando a saída do país. Ao chegarmos à aduana venezuelana fomos
informados que precisávamos tirar um bocado de fotocópias para
podermos receber o visto e a autorização para que nossas motos
pudessem trafegar em território do país vizinho. Voltamos a
Pacaraima. Perdendo mais de uma hora nesse vai e vem.
Ao
pisarmos em solo da Venezuela deixamos de abastecer nossas motos ao
preço de mais ou menos 90 centavos de Real o litro de gasolina,
porque tínhamos a informação de que era quase de graça a partir
de Santa Elena de Uairén, primeira cidade, distante 15 quilômetros
da fronteira com o Brasil. É realmente muito barato. Só que
brasileiro não pode abastecer lá. Depois, nas próximas cidades,
sim, não tem problema. Isso fez com que saíssemos atrás de alguém
que se vende no câmbio negro. Foi uma luta conseguir um
contrabandista de gasolina e quando conseguimos o cara não queria
vender, pois a quantidade era de apenas 20 litros, enquanto ele só
gostava de vender a partir de 50 litros. O próprio Ramon nos
confessou que conseguia a gasolina através de militares
venezuelanos, que são responsáveis pelo controle da venda.
Disse-nos ele que a corrupção nesse setor é muito grande em todo o
país.
Depois
de muita conversa o Ramon Quezadas resolveu nos atender, mas, aí
começou outra novela. Ele subiu numa moto velha junto com um amigo e
mandou que a gente o seguisse. Rodamos por uns 15 quilômetros,
saindo da cidade, entrando por caminhos esquisitos. Chegamos a pensar
que aquilo era uma armação e poderíamos nos dar mal. Por último
ele dobrou numa ruela muito estreita e mal conservada, no final da
qual havia uma casa com um monte de tambores de 200 litros. O Ramon
abriu um deles e encheu os nossos tanques, cobrando um Real por
litro. Pagamos em Real, mesmo e seguimos de volta para o centro de
Santa Elena, para dar uma olhada no comércio, já que se trata de
zona de livre comércio. Encontramos muitos eletroeletrônicos muito
baratos. Contudo, alguns itens diferem pouco do preço do Brasil.
Após esse tour, ao qual incluímos uma passagem para fotos na
centenária Iglesia de Piedra (Igreja de Pedra), com direito a muitas
fotos. Antes de partir visitamos a Plaza Bolívar, que existe em toda
cidade venezuelana. Aí sim, avançamos Venezuela adentro.
Confesso
que saí um pouco preocupado com a forma como seriamos tratados,
tanto pelo povo, quanto pelos militares do país de Hugo Chaves,
conquanto muitos brasileiros passaram informações que não eram
muito encorajadoras. Pelo povo fomos tratados sempre com muito
carinho; de parte dos militares, nas quase 50 alcabalas, nome dado às
barreiras rodoviárias da Guarda Nacional, fomos quase sempre
tratados com muito respeito, com raríssimas exceções. Raros foram
os momentos me que sentimos segundas intenções (querendo extorquir
dinheiro da gente) de parte de algum militar venezuelano.
Tanto
que pesquisei, tantos relatos que li e mesmo assim eu e o Jadir
(assim como eu, sabia disso), cometemos um erro muito grave em Santa
Elena: deixamos de trocar todo os nossos reais por dólares, com um
cotação bastante atraente. Não foi por falta de aviso. O Jadir
cambiou apenas R$ 500,00 e eu R$ 300,00, como se fossemos visitar
somente alguns lugares da Venezuela. Essa falta de atenção iria nos
custar muito, mas, muito caro em todos os sentidos, pois embora
tenhamos sido salvos pelos cartões de créditos internacionais do
Jadir, algumas vezes não restou alternativa senão pagar um pouco
mais caro por um pernoite, ou por uma refeição, além do dissabor
de ter que rodar muito, em alguns momentos, em cidades pequenas,
atrás de um lugar que aceitasse pagamento com cartão de crédito.
Na
Venezuela vimos muita coisa bonita, proporcionada sobretudo pela
exuberante natureza daquele país vizinho, começando pela Grande
Savana. Quem viaja pela estrada, partindo de Boa Vista, mantém
contato com a Grande Savana ainda em território Brasileiro, mas a
parte mais bonita está em solo venezuelano. Onde a vista alcança,
enxerga-se o verde da relva, que é a única vegetação em muitas
partes; em outros lugares, alguns arbustos ajudam a compor o cenário,
digno dos melhores filmes de Hollywood. O terreno é plano ou com
pouca elevação.
Nas
edições seguintes, até que a história seja totalmente contada, os
leitores do Jornal do Comércio conhecerão novos episódios dessa
inesquecível aventura. (Jota
Parente)
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