Folha - Jair Bolsonaro (PSL) impôs a
Fernando Haddad (PT) uma derrota no primeiro turno em 412 cidades
consideradas redutos petistas pelo país, segundo levantamento da
Folha de S.Paulo. Nesses locais, o capitão reformado reverteu a
tradição de vitória do PT, vista nas três últimas eleições
presidenciais.
Em todas as cidades analisadas,
Bolsonaro obteve ao menos 34% dos votos válidos. A força eleitoral
do candidato do PSL e o avanço do antipetismo o fizeram alcançar
mais de 50% dos votos válidos em 138 desses municípios.
Houve locais em que Bolsonaro
venceu por muito pouco. A menor diferença foi vista em Romelândia
(SC), onde o PSL teve 40,98% dos votos contra 40,95% do PT. Na outra
ponta, em Saquarema (RJ), a virada de perfil foi mais radical: 68,46%
para Bolsonaro e 11,7% para Haddad.
No Rio, 45 municípios antes
petistas deram vitória a Bolsonaro. Boa parte está na Baixada
Fluminense, a região mais violenta do estado, e nas regiões
metropolitana e norte fluminense, onde estão cidades petroleiras que
prosperaram nos tempos de bonança do setor.
São regiões que, se por um lado
se beneficiaram com os investimentos de governos petistas, foram
também das que mais sentiram os efeitos da sua derrocada.
Na
Baixada, o legado petista da criação de institutos federais em
Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Belford Roxo e
Magé não foi suficiente para
impedir a “onda Bolsonaro”. Haddad chegou a dizer, em campanha na
região, que Bolsonaro não havia feito, durante sua vida
parlamentar, nem 10% do que ele fizera pelo Rio como ministro da
Educação de Lula (PT).
Em Nova Iguaçu, município que já
foi administrado por Lindbergh Farias (PT) por dois mandatos,
Bolsonaro recebeu 65% dos votos válidos.
Segundo o sociólogo, professor
Universidade Federal Rural do Rio e estudioso da Baixada, José
Cláudio Souza Alves, de fato os governos petistas levaram à região
investimentos inéditos em educação e programas sociais.
Essas intervenções, contudo, não
teriam sido, na avaliação do professor, profundas a ponto de mudar
a realidade histórica da política local, marcada pelo clientelismo
e fisiologismo e dominada por grupos de extermínio e milicianos que
utilizam sua força para eleger vereadores locais. As igrejas
evangélicas completam o grupo que dá as cartas na política da
região.
“Digamos
que a Baixada não foi como no Nordeste, em que o PT se estabeleceu
desbancando vários líderes históricos locais, como na Bahia, e ali
criou uma base fiel de eleitores”, disse.
Nesta eleição, os grupos
tradicionais da política local, aliados do PT e do governo do MDB do
Rio na última década, migraram para Bolsonaro, cujo discurso
antipetista lhes caiu como uma luva.
Primeiro porque, ao responsabilizar
unicamente o PT pelo fracasso do país, retira os políticos
tradicionais locais do rol de responsáveis pelas más condições
das cidades e segundo porque as ideias de Bolsonaro convergem com
seus interesses.
As duas principais correntes
evangélicas da Baixada, Assembleia de Deus, cujo braço político é
o PSC, e a Igreja Universal, que detém a TV Record, declararam apoio
a Bolsonaro e ajudaram a turbinar sua votação em cidades como Duque
de Caxias que chegam a ter 40% de sua população formada por
cristãos.
Já os grupos milicianos e de
extermínio, formados basicamente por policiais e ex-policiais, se
aproximam das propostas de Bolsonaro na segurança.
“Se
a lei que exclui o policial de responder a crime por atos durante o
serviço existisse antes, os grupos de extermínio não precisariam
usar máscaras para cobrir o rosto em suas ações”, diz Alves.
No estado, Bolsonaro tenta emplacar
o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC) no governo. O político que
ultrapassou os votos de Eduardo Paes no primeiro turno, foi muito bem
votado entre os policiais, por exemplo.
Todo esse cenário se somou ao fato
de que a população da Baixada já guardava certa mágoa com o PT
por conta de promessas eleitorais não cumpridas durante a parceria
de mais de uma década com os governos do MDB no Rio.
O Arco Metropolitano, via expressa
que liga os principais municípios da Baixada, feita com recursos
federais e estaduais e inaugurada, com atraso, um mês antes da
campanha de 2014, é hoje exemplo do que se tornou o estado do Rio:
mal acabada, sem iluminação e insegura, é palco de assaltos
diários.
As cidades de São Gonçalo e
Itaboraí, na região Metropolitana, e Campos dos Goytacazes, região
norte fluminense, deram votos em Bolsonaro na esteira do fracasso da
política energética no país e da paralisação da Petrobras com a
Lava Jato.
PELO PAÍS
Entre as cidades que abandonaram o
costume de eleger o PT, estão seis capitais, a maioria no Norte –
Manaus, Belém, Natal, João Pessoa, Porto Velho e Macapá.
Na avaliação do cientista
político Edir Veiga, da Universidade Federal do Pará, o voto nas
capitais do Norte do país, assim como em outros grandes centros
urbanos, representou uma rejeição à política tradicional após
sucessivos escândalos de corrupção.
“Capitais
que notoriamente votavam na esquerda para presidente abandonaram a
classe política tradicional e deram um voto de protesto para
Bolsonaro. No interior, onde se depende do Bolsa Família e do seguro
defeso, se tem saudades das políticas públicas do
Lula. Nas
capitais isso não ocorre”, afirma.
Na região, a campanha de Bolsonaro
terá reforço ao menos no Amazonas e em Rondônia, onde o capitão
reformado terá palanques duplos, sendo apoiado pelos dois candidatos
a governador no segundo turno.
Em Minas Gerais, estado com 853
municípios, Bolsonaro interrompeu a sequência de vitórias petistas
no primeiro turno em 141 cidades. Embora não tenha vencido na
capital, Belo Horizonte, ele conquistou cidades de destaque em
diversas regiões, como Uberlândia (Triângulo), Ipatinga (Vale do
Aço), Montes Claros (Norte), Juiz de Fora (Zona da Mata),
Teófilo
Otoni (Mucuri), Betim e Ribeirão das Neves (Região Metropolitana).
Em Juiz de Fora, cidade palco do
atentado a faca contra Bolsonaro, o capitão reformado quebrou uma
tradição de vitórias petistas em eleições nacionais que vinha
desde 1998. Em 2002, foram 83% de votos para Lula contra José Serra
(PSDB).
Ao mesmo tempo em que a cidade
mantém um perfil universitário, com movimento estudantil e
comunidade LGBT organizados, também tem a presença de um
contingente militar expressivo, com dois batalhões do Exército e
três da Polícia Militar.
Segundo Carlos Ranulfo, cientista
político da Universidade Federal de Minas Gerais, a vitória de
Bolsonaro em grandes cidades mineiras não é um fenômeno específico
do estado, ao contrário, faz parte de uma tendência nacional.
Ranulfo vê dificuldade para Haddad
entre cidades maiores e entre a classe média. Por isso, perdeu em
Montes Claros, por exemplo, que apesar de estar no norte mineiro,
onde o petismo é expressivo, é uma das mais populosas de Minas.
“Minas
reflete o que aconteceu no Brasil. Os únicos lugares em que o PT
venceu foram em algumas regiões mais pobres do norte, que são
basicamente muito parecidas com o Nordeste. No Sul e Triângulo, o PT
venceu quando estava na maré a montante, ganhando em todo lugar”,
disse.
Ranulfo lembra que o recuo do PT em
Minas estava anunciado desde 2016, quando passou de 114 prefeituras
para 37. Bolsonaro, por sua vez, pode ter sido impulsionado por
candidatos a deputado e senador que, mesmo em outros partidos,
aderiram a ele.
Políticos da chapa de Antonio
Anastasia, candidato a governador do PSDB, passaram a pedir votos a
Bolsonaro ainda no primeiro turno. O tucano não declarou apoio, mas
se disse contrário ao PT no segundo turno.
Já seu adversário Romeu Zema
(Novo) foi mais explícito e dará palanque ao capitão reformado.
Surpresa da eleição, o empresário terminou em primeiro no domingo
(7) pegando carona no PSL.
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