Na edição do Jornal do Comércio de número 245, que está circulando desde o fina da tarde de ontem, foi publicação uma grande reportagem a respeito de José Cândido de Araújo, conhecido como Zé Arara. São quatro páginas que contam algumas partes da vida daquele que foi um garimpeiro que produziu grande quantidade de ouro, além de ter sido o maior comprador de ouro que se tem conhecimento. A seguir, a matéria na íntegra.
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Foto do acervo de Luiz Henrique Macedo |
Zé
Arara foi inspiração para diversas reportagens em nível nacional e
internacional, como a entrevista que concedeu para o Globo Repórter, no começo
dos anos 1990. De acordo com o programa, ele foi o garimpeiro mais famoso da
Amazônia a partir da década de 1960. Foi um dos mais instigantes personagens
dos 60 anos de garimpagem nas terras tapajônicas.
Teve uma legião de gente que se dizia
amiga, mas, amigos verdadeiros ele nominava poucos. Entre esses, o ex-prefeito
Sílvio Macedo, que conviveu de perto com ele, privando de sua amizade, assim
como o casal Truth e Dulcineia. Zé Arara tinha uma afeição especial pelo filho
do casal, Luiz Henrique, que tratava como se fosse filho. Chegou a morar em um
dos apartamentos de Truth por cerca de três anos, alguns anos de mudar-se de
vez para Florianópolis. Entre os amigos que considerava, Ronaldo Junqueira,
editor-chefe do Correio Braziliense, era um dos prezava muito.
Ele formou um verdadeiro império, com
muitos aviões, incluindo um jatinho que lhe deu mais problemas do que
satisfação. Era nele que Zé Arara, muitas vezes, saía de Itaituba para levar
ouro para São Paulo, onde almoçava, retornando para jantar na Cidade Pepita.
Mais tarde, quando a aeronave estava a caminho dos Estados Unidos para fazer
uma manutenção na fábrica, porque estava com um problema técnico, explodiu no
ar, matando o piloto, o copiloto e dois mecânicos.
A explosão do jatinho deu início à
implosão do império do empresário/garimpeiro de maneira célere. A consequência
da tragédia foi derrocada financeira por causa dos gastos elevadíssimos que Zé
Arara teve que arcar. Na ocasião, ele disse ao Globo Repórter, que teve que
gastar a maior parte do que havia ganho para não ser preso nos Estados Unidos.
Disse que ficou onze anos trabalhando para pagar dívidas e que teria pago tudo.
Depois disso, ele ficou a maior parte
do seu tempo no garimpo do Patrocínio, tentando recuperar sua fortuna, sem
jamais chegar nem perto dos tempos áureos, até mudar-se para Santa Catarina,
onde veio a falecer.
Nos tempos em que o Tapajós era um rio
que encantava nativos
e gente de outras plagas por seu azul-safira,
o jornalista Fernando Pinto, de o Correio Braziliense, esteve com Zé Arara. Na
ocasião, o jornalista trabalhava na produção de um livro intitulado Memórias de
Um Repórter, ao qual dedicou um capítulo, o sétimo, com o título: “O Eldorado
Maldito do Tapajós”, que foi lançado no ano de 2004.
Em um de seus aviões, Zé Arara ao centro, com Sílvio Macedo e a cantora Diane |
Desse livro que eu li pouco tempo
depois de sua publicação, que se encontra entre os meus alfarrábios, extraí
alguns trechos que, não fossem as anotações de Fernando Pinto, perder-se-iam
com o tempo.
Julho de 1988 foi ano que marcou os 30
anos do que é considerado como início da garimpagem no Tapajós, quando o
amazonense Nilçon Pinheiro encontrou Raimundo Seringueiro, com o qual trocou
uma lata de leite cheia de pepitas de ouro, por um rádio Philco Transglobe e
mais umas poucas bugigangas. Foi naquele mês e naquele ano que Fernando Pinto
desembarcou em Santarém, a caminho de Itaituba.
Na época repórter do Correio
Braziliense, Fernando Pinto veio com uma pauta 100% definida: entrevistar José
Cândido de Araújo, o Zé Arara, que estava com 56 anos. Mas, havia um problema
muito sério que ele precisaria superar: Zé Arara queria distância de
jornalistas, porque estava ressabiado com eles, pois, muitos, valendo-se de uma
sempre boa hospitalidade, escreveram coisas inverídicas a seu respeito, o que o
deixou muito contrariado e desconfiado com essa classe.
Naquele tempo, Zé Arara já havia
experimentado o gosto amargo da derrocada, pois seu império desabara junto com
seu jatinho. E o motivo principal de seu descontentamento com jornalistas era
porque foram publicadas algumas reportagens mentirosas dando conta de que ele
teria matado muitos empregados seus nos garimpos de sua propriedade.
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Zé Arara com Luiz Henrique Macedo |
O fotógrafo Yugi Makiuchi recebeu uma
recomendação especial: tenha muito cuidado, porque tem muita gente ruim, muitos
bandidos das bandas do sul do país procurados pela polícia, que vivem nos
garimpos. Essa gente, na hora que descobrir que vocês são de Brasília, não vai
gostar de ser fotografada. Quando você vir alguém se escondendo da câmera, não
insista porque pode acontecer o pior.
Depois de estar com o que consideravam
um salvo conduto nas mãos, os dois subiram no Carajá da TAIL, de Wirland Freire
e Delano Riker, comandado pelo competente Davi Riker, que deixou a melhor das
impressões neles por conta da preocupação com a segurança do voo, não
permitindo excesso de carga. O destino era o km 140.
Após a aterrisagem, Davi Riker faz uma
recomendação expressa ao fotógrafo japonês: não
se atreva a acionar sua máquina fotográfica, de jeito nenhum. Os dois o
seguiram até um barracão enorme onde estava escrito numa placa de madeira: Grupo Zé Arara. Um garimpeiro comentou
que há sete anos, antes de perder sua fortuna, o então Imperador do Tapajós
tivera 22 aviões em seu táxi aéreo.
O jornalista brasiliense ficou
impressionado quando Davi o apresentou a um homenzarrão que já impunha respeito
somente por seu porte físico. Não era Zé Arara, mas, um segurança que ostentava
dois revólveres calibre 38, que examinou a apresentação assinada pelo prefeito
Ronaldo Campos, com cara de quem tinha pouca intimidade com as letras. Vou falar com o chefe, disse ele, e que
podíamos ficar por ali, porém, sem fotos, nem perguntas.
Zé Arara chegou dez minutos depois
dessa recomendação, descendo apressado do seu Cessna novinho com seu 1,85 mt,
cabeleira totalmente branca, mesma cor de sua camisa e da bermuda, cujo uso
tornou popular na região. Fez questão de ignorar solenemente os visitantes.
Pagou quem estava lhe esperando no km 140 e se
encaminhou para a aeronave, quando Fernando Pinto pediu que ele lesse a carta
do prefeito de Santarém. Lembrou de citar o nome do editor-chefe do Correio
Braziliense, Ronaldo Junqueira, que era amigo pessoal do quase anfitrião, que
ao ouvir o nome do amigo, abriu um largo sorriso, voltando-se para Fernando e
Yugi, aos quais convidou para dormirem no garimpo Eldorado como seus hóspedes.
Mas, foi logo avisando que não daria entrevista, nem queria fotos.
Chegaram ao garimpo Eldorado ainda com Sol alto. Foram convidados para
visitar uma frente de trabalho, ciceroneados por Sidney da Conceição, um
maranhense de 29 anos, homem de confiança do patrão, munido de sua pistola
calibre 45, privativa das Forças Armadas. Seguiram por uma estrada cheia de
altos e baixos por 60 km. Lá, ficaram sabendo que no dia seguinte Zé Arara iria
até o garimpo Grota Rica, onde mais de 100 homens trabalhavam.
Na hora do jantar, sentados em torno da enorme
mesa de jacarandá, com o sempre elegante anfitrião todo de branco, trajando
camisa de seda, bermuda, sempre bermuda, de linho e sapatos mocassins
imaculadamente brancos, Fernando Pinto disse que ouvira falar que haveria uma
visita ao garimpo Grota Rica, e se eles poderiam acompanhar. Foi bem-sucedido,
conseguindo autorização. A condição seria acordar cedo.
“Depois do robusto café da manhã, às seis da
manhã, entramos no gol e fomos. Sidney Conceição foi dirigindo, com Yugi ao
lado. Atrás, eu, um segurança cuja coronha do 38 cutucava minha costela e Zé
Arara. Quando a gente chegou, entramos no mato, e depois de vários minutos
andando na mata, o patrão perguntou para o Sidney se ainda estava longe. É logo ali, seu Zé. O logo ali na
Amazônia é longe, muito longe. Até que enfim chegamos ao lugar onde havia uns
50 buracos abertos com mais de 100 homens seminus trabalhando enfiados na lama”,
relata Fernando em seu livro.
Depois que voltaram para a sede, Zé Arara fez
uma pergunta que deixou o jornalista de Brasília exultante: o senhor trouxe gravador? Aquilo soou
como música aos ouvidos de Fernando, que respondeu que sim. Yugi tinha sido
deixado do lado de fora, porque o anfitrião disse que tinha pavor de fotógrafos
e cinegrafistas, que não o deixavam em paz em São Paulo. Estava para começar
uma entrevista que Zé Arara não prometera conceder, da qual o Jornal do
Comércio extraiu alguns trechos.
Fernando Pinto: Como nasceu essa aversão por jornalistas?
Zé Arara: Olha, eu fui muito
machucado pela imprensa. Já publicaram muita coisa que eu não disse e que me
prejudicaram bastante. Teve um repórter que me chamou até de Imperador do
Tapajós. Detesto ser chamado de imperador.
Fernando Pinto: Por que esse apelido de Zé Arara? Ouvi dizer que você
adora matar araras...
Zé Arara: Essa é mais uma mentira a meu
respeito. O Zé Arara foi porque na primeira vez que eu apareci por aqui, eu
tinha eu tinha trazido um chapeuzinho do carnaval de Belém, que tinha no alto
uma peninha de arara. Aí o apelido pegou.
Fernando Pinto: Por que sua atração pelo garimpo?
Zé Arara: Nada de especial, a
não ser o desejo que todo homem tem de melhorar de vida. Há uns que tem ambição
além da conta e estão dispostos a passar por cima dos outros para alcançar seus
objetivos. Esses, geralmente, se dão mal, porque ninguém gosta de ser pisado.
Outros tem ambição de menos, não fede, nem cheira. A minha ambição, acho, é
normal, a diferença é que sou um sujeito organizado, gosto de administrar bem
as coisas, seja lá o que for.
Fernando Pinto: E por que o Tapajós?
Zé Arara: Foi em 1962 que
resolvi tentar melhorar de vida no Tapajós. É que li num jornal de Belém sobre
o bamburro do Nilçon Pinheiro. Nesse tempo eu era um pequeno comerciante. Achei
que estava na hora de mudar de vida.
Fernando Pinto: Ouvimos, em Santarém, que você deu azar em São Paulo
depois de ter ficado milionário, tirando mais de mil quilos de ouro dos
garimpos de ouro do Alto Tapajós. Foi tanto ouro assim?
Zé Arara: Esse foi outro
exagero. Quanto o que aconteceu em São Paulo, não foi bem azar, não. Fiz maus
negócios com pessoas más, desonestas. Fui também prejudicado pelas autoridades
de São Paulo quando lá estive tentando resolver assunto de terras. Em pouco
tempo perdi quase tudo que tinha ganho em 25 anos de trabalho duro. Mas,
aprendi a lição e não entreguei a rapadura. Este ano já estou empinando outra
vez. E juro que vou recuperar tudo.
Fernando Pinto: Se considera um homem realizado?
Zé Arara: De certa forma, sim.
O meu sonho era dar à minha mãe, aos meus pais, uma casa confortável e
estabilidade na vida. Hoje eles tem tudo isso. Minha mulher e os meus três
filhos moram com todo o conforto em Florianópolis, com meus filhos estudando em
bons colégios.
Fernando Pinto: Por que Florianópolis?
Zé Arara: Porque é uma cidade
tranquila, moderna, bonita, onde não tem assaltos e violência como no Rio e São
Paulo.
Fernando Pinto: Da mesma forma que em Itaituba e nos garimpos do Alto
Tapajós, não é?
Zé Arara: A violência daqui é
mais provocada por causa do álcool e agora mais recente pelos tóxicos, drogas,
que eu não deixo entrar nos meus garimpos de jeito nenhum. E depois, é aquele
dito popular de quem procura acha; e quem semeia ventos, colhe tempestades. E
aqui no Tapajós, o que não falta é temporal.
E foi dessa maneira que Fernando Pinto
conseguiu algo que naquele período da vida de Zé Arara, poucos conseguiram, que
foi fazer com que ele abrisse seu coração.
José Cândido de Araújo, ou apenas, Zé Arara. Esse
é um nome que vai ficar para sempre na história da região, de modo especial no
município de Itaituba, sede de seu império durante muitos anos. O bairro Jardim
das Araras, o qual em grande parte foi desenvolvido por ele, onde teve um
grande loteamento, será uma eterna lembrança de seus feitos.
Muitas são as histórias verdadeiras do
jeito de ser de Zé Arara, que impulsionou a vida financeira de muita gente. Lembro de um episódio do qual fui um dos
personagens.
Na primeira metade dos anos 1980, eu e
mais três amigos, estávamos organizando uma copa de futsal em Santarém. O
escritório do Zé Arara ficava localizado na Avenida Rui Barbosa, ao lado da
agência do Bradesco. Fomos até ele pedir uma ajuda para comprar o troféu do
campeão.
Coube a mim falar com ele. Tirei uma
revista que me tinha sido emprestada pela Casa dos Esportes na qual havia
diversos exemplares para todos os gostos de bolsos. Mostrei a ele o qual a
gente pretendia ganhar.
Zé Arara pegou a revista e comentou:
“que troféu mixuruca esse aí! Não tem um maior?” Fiquei exultante, porque na
contracapa havia um troféu que media 1,75 mt. Mostrei para ele, que disse que a
gente podia mandar buscar aquele, que era o que tinha gostado.
Assim fizemos, compramos o maior e
mais bonito troféu que até então um clube de Santarém havia ganho. Quem ficou
com o troféu, por ter vencido a copa por três vezes, foi o Clube do Bolinha.
Esse é um pequeno exemplo do que foi Zé Arara.
Jota Parente
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