domingo, maio 24, 2020

Caiu a máscara; o rei está nú



          Ao decidir pela publicação completa do vídeo da famosa reunião ministerial convocada pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro Celso de Melo prestou um grande serviço à nação brasileira, poucos antes de se aposentar, pois ele tem pouco tempo, já que em novembro ele deixará o STF.

          O vídeo desnuda o governo, fazendo cair sua máscara de falso moralismo. Talvez, poucas palavras definam tão bem a falta de caráter do governo de Bolsonaro como o termo: FALSO MORALISMO.

          O presidente Jair Bolsonaro cercou-se por quase todos os lados, de pessoas do seu nível, que é muito baixo. O vídeo colocou o tipo de gente que povoa o poder central em Brasília, com raríssimas exceções. Os ex-ministros Sérgio Moro e Nelson Teich e mais o vice-presidente Hamilton Mourão, que tem agido com sensatez. E só.

          A tal reunião ministerial pareceu um encontro de conspiradores, expondo o grau de insensatez que permeia o atual governo brasileiro de um modo geral. Manifestações de ódio, de gente que fala em nome de Deus, como da pastora evangélica Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Observem o ministério que ela comanda. Se dependesse dela, prefeitos e governadores seriam presos por conta de medidas tomadas contra a pandemia.

          Tão ruim ou pior do que ela foi o ministro da educação, que se destaca mais pelos erros de ortografia e de concordância cometidos em suas postagens, do que por sua atuação desastrosa à frente do MEC.

              O ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de vagabundos e defendeu mandá-los para a prisão. A declaração, na íntegra, foi divulgada após a decisão do ministro Celso de Mello, de liberar o vídeo de uma reunião ministerial na qual o presidente Jair Bolsonaro teria pressionado o então ministro da Justiça Sergio Moro para trocar o comando da Polícia Federal. No vídeo, Weintraub também diz odiar os termos "povo indígena" e "povo cigano". - Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF. E é isso que me choca — disse Weintraub.

          A mim, o que me choca é ver pessoas como essas, investidas em cargos públicos de primeiro escalão, fazendo discursos contundentes e raivosos contra um dos pilares da democracia, que é o Poder Judiciário, ofendendo ministros do STF. E ainda teve a raposa no galinheiro, que é o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que defende aproveitar a preocupação com a pandemia para deixa passar a boiada, ou seja, fazer tudo de errado agora contra a Natureza, porque a mídia não vai prestar atenção.

          Foi para esse pessoal que nós, eleitores, entregamos o poder. Entregamos a eles para evitar que o bando do PT continuasse o assalto ao que restava dos cofres públicos da nação. Mesmo Bolsonaro não fazendo ideia o que é um programa de governo, a maioria acreditou que ele poderia ser diferente. De fato, ele segue um caminho diferente do PT, porém, sua nau navega rumo a qualquer porto.

          Acompanho com preocupação um bando de néscios postando horrores, incitando à violência, defendendo intervenção militar e agredindo os poderes Legislativos e Judiciário. Para esses, a divulgação do vídeo da reunião foi um sucesso total, a consagração do grande ídolo de extrema direita que está sentado na cadeira de presidente sem saber bem porque está lá.

          Como peixes fora d’agua, ainda fazendo parte da equipe, Sérgio Moro e Nelson Teich testemunharam aquilo que parecia mais com uma reunião de condomínio do que reunião de trabalho. O desconforto de Nelson Teich ficou mais do que evidenciado. Ele deve ter imaginado: o que é que eu estou fazendo aqui no meio desse bando de malucos? Foi ali que a ficha dele começou a cair, já na sua primeira semana como ministro da saúde. Aquilo não é ambiente para gente de bem.

          Agora ficou do jeito que Bolsonaro sempre quis. Suas vontades de criança mimada que não gosta de ser contrariada poderão se materializar sem protestos dentro da equipe de radicais lunáticos toscos, que governam, ou desgovernam com os olhos voltados para os que batem palmas para as sandices que o governo faz, a partir do presidente. A Cloroquina já foi emplacada por ele, e quase com certeza, em breve poderá ser mudada a bula desse medicamento a mando dele.

          Bolsonaro praticou estelionato eleitoral. Prometeu combate implacável contra a corrupção. Todavia, ele não moveu uma palha, até agora nesse sentido. Pelo contrário, forçou a saída do único integrante do seu ministério que tinha um projeto em andamento sobre a matéria. O que ele tem feito muito é trabalhar para encobrir os malfeitos dos seus filhos. Desde quando isso é combater a corrupção?

Por fim, faço uso de trechos de um texto de Helena Sut, publicado no dia 5 de junho de 2004, na revista Carta Maior, que poderia ter sido escrito há um ou dois séculos, ou até mais, ou mesmo no futuro, pois o povo padece nas mãos dos poderosos desde sempre.

          O Rei Está Nu! Os donos do poder alimentam suas vaidades, vestem as roupas da hipocrisia e desfilam as falsas transparências nas notícias manipuladas. Com os passos ensaiados, ostentam o poderio sob os céus comprometidos. As falas decoradas são repetidas sem compreensão, a ideologia está trajada em bordões de fácil memorização.

          O grito se dispersa na multidão. As tantas notícias confundem os personagens do espetáculo. Falsos brilhos são lançados sobre a multidão apática, os grupos rivais perpetuam suas desavenças, a sociedade permanece dividida com as notícias manipuladas, o séquito real acompanha o desfile dos soberanos...

          O séquito real enaltece-se com a proximidade das autoridades, diverte-se com as performances dos empobrecidos bobos da corte...

          Nas fotos de dor e desespero, os personagens vestem roupas encardidas, perdidas entre a carne e a ficção. Os olhos desesperados, o silêncio de um grito sem legendas, a mulher, a criança... Fragmentos de vestimentas verdadeiras que já não protegem. Retratos da real indiferença, retratos da morte pulsando na angústia de permanecer, da vida iluminada por faíscas de esperança...

          As novas vestes do rei... Fatos novos sobrepõem-se à tragédia. Todos os óbitos, pedaços de corpos fragmentados, são trapos inservíveis... Os soberanos ganham novas perspectivas e escondem a responsabilidade na perversão dos facínoras, na possessão do demônio... Inquéritos que se perderão nos calabouços, na culpa dos sobreviventes, na perversão dos mortos, no desamparo dos desvalidos...

          Qualquer semelhança com os acontecimentos nacionais do presente, não terá sido mera coincidência, mas, exercício de vaticínio da autora.

          Jota Parente


Nenhum comentário:

Postar um comentário