Poucas cenas poderiam ser tão constrangedoras quanto a correria de Eduardo Pazuello, o general de intendência que é ministro da Saúde, ao montar uma entrevista coletiva para criticar a "jogada de marketing" de João Doria na tarde deste domingo.
O que fizera o governador tucano de São Paulo? Logo depois da aprovação unânime pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do uso emergencial da Coronavac e da vacina de Oxford, viu uma enfermeira ser a primeira pessoa do país a ser vacinada a seu lado no Hospital das Clínicas.
Para o general, era mero jogo de Doria. Obviamente havia propaganda política em curso, estranho se não houvesse, mas não só: foi o símbolo da maior derrota política de Jair Bolsonaro ante seu rival e provável adversário na corrida presidencial de 2022 e a vitória de quem apostou na luta contra a doença.
que o militar tinha a apresentar? O fracasso da política de Bolsonaro, de primeiro negar a pandemia e depois, quando a vacina se mostrou um ativo político, de tentar retirar o protagonismo de Doria. Pazuello até mentiu ao vivo, dizendo que as vacinas já estavam em suas mãos.
Adicionando insulto à injúria, para ficar no velho ditado, a própria Anvisa colaborou para a humilhação do governo Bolsonaro neste domingo (17).
Na recomendação de aprovação das vacinas pela área técnica da agência, referendada pela majoritariamente bolsonarista direção do órgão, um item chamava a atenção entre os itens centrais para a decisão: "Ausência de alternativas terapêuticas".
Ou seja, o tratamento precoce com remédios sem comprovação, como hidroxicloroquina, não tem respaldo do órgão máximo do setor no país. O "kit-Covid" propagandeado pelo governo não funciona.
O mesmo kit que Pazuello cobrou furiosamente a utilização quando visitou Manaus e os estoques de oxigênio da capital amazonense já estavam perigosamente baixos. Depois, disse que o morticínio manauara era influenciado pela falta do tratamento antecipado. Remédios inúteis acima de insumo vital.
Além disso, a didática explanação da agência também ajudou melhorar a imagem do órgão, tisnada após ela suspender de forma bastante obscura os testes da Coronavac no ano passado.
A litania de horrores de Bolsonaro ao longo da pandemia da Covid-19 é toda conhecida, da "gripezinha" até hoje, mas seu apocalipse pessoal veio mesmo quando a esperança da vacina chegou.
Os últimos versículos recitados deste livro foram sobre a trapalhada da encomenda de 2 milhões de doses indianas da vacina de Oxford, que não estavam tão à disposição quanto o avião adesivado de "Somos todos uma só nação" da companhia Azul, conhecida pela simpatia de seu comando pelo Planalto.
Assim, apesar de toda a retórica soldadesca de Pazuello na entrevista coletiva que logrou tirar foco nas TVs pagas do pronunciamento do tucano, ao fim Bolsonaro terá de começar sua vacinação na quarta-feira (20) com a "vacina chinesa do Doria".
Na entrevista coletiva do governo paulista, realizada na sequência, praticamente todos os passos em falso do governo federal foram triturados ao vivo, de forma didática, por diferentes autoridades. Até o slogan do "dia V" zombava dos "dia D" atrasado de Pazuello.
O tucano venceu esta. Não sem arranhões: a divulgação antecipada dos índices mais favoráveis entre grupos vacinados da Coronavac provocou um ruído enorme quando a eficácia geral de 50,38% foi enfim revelada, ambos os dados antecipados pela Folha
Isso não lhe rendeu popularidade, ao contrário. Já Bolsonaro viu, por cortesia do auxílio emergencial do governo federal, sua aprovação subir e se estabilizar até a virada do ano.
Em entrevista recente à Folha, Doria admitiu o óbvio, que a vacina poderia ajudar a alavancar seu nome extremamente "paulista" Brasil afora. Restará agora o teste da realidade
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