Trata-se de um livro lançado há pouco, cujo autor é Octávio Pessôa, um intelectual, jornalista, advogado e professor, homem típico da Amazônia, nascido em Parintins e residente em Belém, com longa atuação da Universidade Federal do Pará e outras instituições.
É uma narrativa que romanceia a história do hidroavião Catalina, que ficou conhecido na região por Pata-Choca. Bom mesmo era assistir ao Catalina pousando nos rios, numa época em que as pistas de pouso eram coisas de cinema norte-americano.
Fatos de que me lembro
“A população atônita viu o avião sobrevoar a cidade com um dos motores a incendiar-se”. Essa foi a manchete do jornal Folha do Norte, de Belém-PA, do dia 11 de março de 1959. O fato noticiado foi o desastre com o avião Catalina, da então Panair do Brasil, às 8h30 da manhã, na Baía de Curralinho.
Como vítimas fatais foram encontrados os corpos do major aviador Paulo Ribeiro, capitão aviador Rubens Rozsa e mais dois militares da Força Aérea Florival Nery de Souza e Agnaldo Martins Favacho. A perda do avião foi total. Tratava-se de um dos mais antigos aviões de sua categoria a sobrevoar os rios e as florestas da Amazônia.
A empresa Panair do Brasil S.A. foi uma das mais antigas companhias aéreas brasileiras de transporte de passageiros. Foi criada em 1929 como subsidiária de uma empresa norte-americana, a NYRBA. Suas atividades foram encerradas em 1965.
Panair do Brasil - catalinasnobrasil.com.br |
Foi também uma empresa pioneira no transporte aéreo na Amazônia, especialmente utilizando os aviões que ficaram famosos, os Catalina, aparelho desenhado e construído entre a primeira e a segunda guerras, para uso militar. Inúmeros países adquiriram esse modelo, especialmente depois de utilizados na guerra.
Foi também muito utilizado pela Força Aérea Brasileira. Com o aumento das incursões de submarinos alemães e italianos nas costas brasileiras no início dos anos 1940, a recém-criada Força Aérea Brasileira (FAB) deparou-se com o inconveniente de que não possuía aeronaves para fazer frente a essa crescente ameaça. E naquele momento, aliados das forças norte-americanas, as forças militares brasileiras lançaram mão dos Catalinas.
Nos tempos pioneiros, como relata o pesquisador Octávio Pessôa, por volta de 1930, os aviões Catalina eram o único modelo empregado nas viagens aéreas sobre rios e florestas da Amazônia, justamente por ser um avião que operava sobre as águas dos rios e lagos. Como naquela época, na Amazônia quase não havia pistas, aqueles aviões operavam quase todos n’água.
De manhã cedo, os aviões de uso civil para transporte de carga e passageiros, decolavam de Belém para a rota mais frequente, pousando nos rios que banham as cidades de Curralinho, Gurupá, Altamira, Monte Alegre, Santarém e Óbidos, no Estado do Pará, e no Estado do Amazonas adentro, pousava em Parintins, Itacoatiara, Manaus, Coari, Codajás, Tefé, Fonte Boa, Içá, São Paulo de Olivença, Tabatinga e Benjamin Constant, daqui entrando até a cidade de Iquitos, no Peru.
Distante já dos tempos dos pousos e decolagens sobre rios e lagos, e com esse modelo de avião voando a menos de 300 quilômetros por hora, no tempo dos Catalinas da Panair do Brasil havia uma linha que começava em Belém e terminava no vizinho Peru, como visto anteriormente. Essa viagem, em avião civil, durava quatro dias, ida e volta. O voo começava na segunda-feira e terminava pela sexta-feira. Nos aviões da Panair o serviço de bordo era de primeira linha, comidas e doces saborosos, dos quais várias vezes eu ganhei caixinhas superlotadas do meu amigo, Leonardo Brasil, comissário de bordo, casado com uma parenta minha.
Nesse tempo eu, criança, morava em Santarém e o Leonardo, oriundo de Belterra, residia em Belém com a família,
Em geral a cada duas semanas eu era mandado para o aeroporto de Santarém para falar com o Leonardo e dele receber cartas, presentes para os demais parentes e uma caixinha de doces.
Um livro que vale por si
Mas o que eu quero falar aqui é, na verdade sobre um livro lançado recentemente, em meio à pandemia, que não está impedindo a procura dessa obra misto de romance e grande reportagem. O livro tem como título “Asas de um rio: a saga dos Catalinas na Amazônia”.
Na contracapa da obra encontramos um comentário do professor Romero Ximenes Ponte, em que ele escreve: “A narrativa romanceada de Octávio Pessôa é uma gostosa memória de vida e morte do hidroavião Catalina na Amazônia. Mais uma vez a Amazônia canibaliza as modernidades: o avião que pousava nas águas foi apelidado de Pata-Choca”. A interação da humanidade amazônica com ‘a novidade’ gera uma imagem roseana: asas do rio. Um rio alado, que tinha sido ‘rua’ (Ruy Barata), comandado ‘a vida’ (Leandro Tocantins), sido ‘ditador’ (Giovanni Gallo), agora cria asas e voa como uma pata-choca.
Temos ainda o evento cotidiano da chegada do Catalina que sempre mobilizava as pequenas cidades amazônicas. Presença providente que trazia notícias e remédios, tragédias e sobreviventes.
Mas a fúria privatizante quis substituir o Catalina pelo ônibus/caminhão, o que os ribeirinhos cansaram de esperar...
Linguagem atraente e direta faz surgir um novo e promissor romancista na Amazônia”.
Fonte: blog do jornalista Manuel Dutra
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