O embarque de 40 brasileiros de Luanda para São Paulo, na tarde do dia 8 de junho, selou o final da primeira etapa de uma crise que opôs a igreja Universal ao governo de Angola e criou tensão entre a igreja e o governo Jair Bolsonaro.
Com aquele último grupo, chegou a 99 o número de brasileiros deportados do país africano, dos quais são 58 missionários da denominação evangélica e os outros, seus parentes. Os números são do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
No mesmo dia, veio a público a informação de que Bolsonaro havia indicado o ex-senador e bispo da Universal Marcelo Crivella (Republicanos) para a embaixada do Brasil na África do Sul.
Crivella está sendo processado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso que ficou conhecido como “QG da Propina”. Segundo o Ministério Público, o esquema envolvia o repasse de dinheiro da prefeitura a credores em troca de propina. Crivella está com o passaporte retido, proibido pela Justiça de deixar o país.
Bolsonaro, porém, aguarda resposta da África do Sul para a indicação e, por ora, mantém a intenção de submeter o nome do bispo da Universal à aprovação do Senado.
Os missionários são acusados pelo governo de Angola de associação criminosa, fraude fiscal e evasão de divisas, entre outros crimes. Quatro bispos da Universal em Angola estão sendo processados pela procuradoria-geral da República local, e não podem deixar o país.
O processo foi o desfecho de uma crise que começou em 2019, quando os bispos angolanos da Iurd se rebelaram contra os brasileiros ligados ao líder Edir Macedo, que administravam os maiores templos do país. Além de acusar os brasileiros de crimes fiscais, os angolanos afirmavam serem vítima de racismo e maus tratos.
A crise coincidiu também com a transição de poder em Angola. Depois de 30 anos governando o país, o ex-presidente José Eduardo Santos perdeu as eleições, enfraquecido pelo escândalo provocado pelas delações da Odebrecht, que revelaram o pagamento de mais de 50 milhões de dólares para ministros e generais ligados ao governo angolano.
Além disso, as colaborações do publicitário João Santana e de sua esposa, Monica Moura, indicaram o pagamento de 20 milhões de dólares de caixa dois pela empreiteira à campanha à reeleição de Santos em 2012.
O vencedor das últimas eleições presidenciais, João Lourenço, era um ex-aliado que prometia limpar o governo de corrupção. Durante a campanha, ele sofreu ataques da Record, que é a maior emissora de TV de Angola.
Quando a crise com os pastores locais começou, o governo Lourenço desencadeou a investigação que terminou com o expurgo dos aliados de Edir Macedo. Em junho de 2020, Jair Bolsonaro chegou a enviar uma carta ao presidente angolano pedindo proteção aos brasileiros contra os ataques que vinham sofrendo.
Em abril, os missionários começaram a ser deportados, e os líderes da Universal no Brasil fustigaram Bolsonaro por considerar que nem ele, nem o Itamaraty, se mobilizaram o suficiente para atenuar a crise junto ao governo João Lourenço.
A Universal sustenta que muitos dos brasileiros foram expulsos sem aviso prévio, não tiveram seus direitos humanos respeitados e foram obrigados a deixarem famílias e recursos para trás.
Segundo a chancelaria do Brasil, a embaixada do país em Luanda acompanhou a crise na Universal angolana desde antes das primeiras deportações e prestou todo o suporte aos brasileiros.
O ministério também afirmou, por meio de nota, que manteve contato permanente com representantes legais da igreja no Brasil. “A principal preocupação da embaixada foi desde o início assegurar que todos os brasileiros, mesmo aqueles com prazos de saída espontânea esgotados, pudessem aguardar os procedimentos de deportação em suas residências e sem uso de força, o que foi atendido pelas autoridades angolanas”, afirmou o Itamaraty à coluna.
O clima de tensão entre a Universal de Macedo e o país africano, no entanto, não cessou. A Record, emissora comandada pelo bispo, continua atacando o governo angolano.
No início do mês, antes do embarque da última leva, a TV veiculou uma reportagem atrelando a primeira-dama do país, Ana Dias Lourenço, à Lava-Jato - as campanhas presidenciais de 2012 e 2017 em Angola entraram na mira da operação, mas os supostos repasses da Odebrecht à primeira-dama por meio de uma empresa de comunicação nunca foram confirmados.
O expurgo dos missionários brasileiros em Angola deixa cicatrizes na estratégia internacional da Iurd. Junto com Moçambique e África do Sul, o país é uma das principais bases da igreja na África. A ida de Marcelo Crivella para a África do Sul serviria ao propósito de reconstruir as pontes com os governos locais.
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