terça-feira, junho 22, 2021

Em Camarões, governo proibiu trabalho da ONG Médicos Sem Fronteiras, e muita gente morre sem atendimento

Serviços médicos vitais têm sido negados, causando imenso impacto para os cidadãos camaroneses

Yaoundé, 22 de junho de 2021 - Enquanto milhares de pessoas enfrentam dificuldades para ter acesso a serviços de saúde vitais na região Noroeste de Camarões, Médicos Sem Fronteiras (MSF) segue sem permissão para retomar seus serviços de saúde na região, seis meses após a suspensão forçada de suas atividades pelas autoridades camaronesas. MSF apela ao governo de Camarões para retirar imediatamente a suspensão e priorizar as necessidades médicas da população.

Há mais de quatro anos, a violência extrema nas regiões anglófonas do noroeste e sudoeste de Camarões levou a uma situação catastrófica para a população. Ataques a vilarejos, sequestros, tortura, destruição de propriedades e execuções extrajudiciais tornaram-se o novo normal no que é comumente conhecido como a “crise anglófona”.

Em 2018, em acordo com o Ministério da Saúde de Camarões, MSF iniciou uma resposta de emergência para a situação crítica de saúde nas regiões noroeste e sudoeste do país, apoiando unidades de saúde, estabelecendo os únicos serviços ambulatoriais gratuitos 24 horas por dia, e apoiando agentes de saúde comunitários a fim de alcançar populações remotas e aqueles que enfrentam dificuldades para acessar as instalações de saúde.

Contudo, no dia 8 de dezembro de 2020, a permissão de MSF para trabalhar na região noroeste do país foi suspensa[1], pois as autoridades camaronesas acusaram a organização de estar muito próxima a grupos armados não-estatais na área. Apesar de meses de discussões para responder a essas alegações, MSF não conseguiu reiniciar suas operações, deixando dezenas de milhares de pessoas sem acesso a cuidados de saúde vitais e gratuitos.

“Os serviços médicos vitais têm sido negados por seis meses, e isso está causando um impacto inaceitável para os cidadãos camaroneses, muitos dos quais fugiram para o mato, incapazes de suportar as imagens, sons e ameaças de violência por mais tempo”, disse Emmanuel Lampaert, coordenador de operações de MSF para a África Central. “Esta decisão representa um golpe substancial para o acesso médico e humanitário.” 

Enquanto falamos, nossos agentes comunitários de saúde veem pessoas morrendo e sofrendo por causa da falta de tratamento disponível nos vilarejos e comunidades deslocadas, e nosso centro de atendimento ambulatorial continua recebendo solicitações de emergência que são forçadas a recusar. Que razão pode justificar essas mortes desnecessárias?”

“Pedimos mais uma vez ao governo de Camarões que coloque as necessidades da população em primeiro lugar e reintegre imediatamente os serviços médicos essenciais de MSF no noroeste do país. Nossas operações não podem ficar suspensas indefinidamente.”

Uma enorme crise sanitária

Embora a violência armada e as violações dos direitos humanos tenham ganhado as manchetes nos últimos anos, o impacto dessa crise nas necessidades médicas básicas das pessoas tem sido frequentemente esquecido na mídia internacional. No entanto, de acordo com os últimos números da ONU, o surto de violência nas regiões anglófonas de Camarões levou mais de 700 mil pessoas a fugir de suas casas, enquanto mais de 60 mil fugiram para a vizinha Nigéria. Hoje, as condições de vida das pessoas são gravemente afetadas pela crise, e mais de 1,4 milhão de pessoas dependem da ajuda humanitária no noroeste e no sudoeste de Camarões.

“O acesso aos serviços de saúde é uma grande preocupação nas regiões noroeste e sudoeste”, afirma Emmanuel Lampaert. “Devido à insegurança, lockdowns, toques de recolher e segmentação das unidades de saúde, o acesso aos cuidados de saúde é extremamente limitado, com pelo menos uma em cada cinco unidades fora de funcionamento. 

As populações deslocadas mal se atrevem a se deslocar para os centros de saúde, e a crise econômica tornou ainda mais difícil viajar para o hospital ou mesmo pagar pelo tratamento. Sem surpresa, a mortalidade entre grupos vulneráveis, como mulheres e crianças[2], aumentou, e a suspensão de nosso apoio médico tornou a situação ainda pior.”

As equipes de MSF ofereçam cuidados para vítimas de estupro, tortura, queimaduras e tiros. A grande maioria dos pacientes precisa de assistência médica para o parto e tratamento para malária ou diarreia, especialmente as comunidades deslocadas. No ano passado, agentes de saúde comunitários apoiados por MSF realizaram mais de 150 mil consultas para as comunidades em ambas as regiões.

Insegurança e restrição do espaço humanitário

O apoio fornecido por MSF e outras organizações humanitárias provou ser ainda mais vital, já que a insegurança e os ataques à equipe limitaram o número de organizações presentes no terreno para fornecer serviços vitais.

“Somos uma das poucas organizações médicas presentes nessas duas regiões para atender às necessidades médicas emergenciais das pessoas em um contexto muito desafiador”, afirma Emmanuel Lampaert. “Desde que começamos nossas intervenções, nossa equipe médica, voluntários e pacientes têm enfrentado regularmente ameaças e violência de grupos armados estatais e não-estatais, com pouco ou nenhum respeito pelos princípios humanitários de imparcialidade e neutralidade. Nossas ambulâncias foram alvejadas e roubadas, agentes comunitários de saúde enfrentaram agressão sexual e assassinatos, homens armados abriram fogo dentro de instalações médicas e nossos colegas enfrentaram ameaças de morte. Apesar dessas situações extremamente difíceis, nossa equipe continuou prestando atendimento às pessoas necessitadas, dia após dia.”

Em 2020, equipes de MSF na região noroeste do país forneceram apoio para 180 sobreviventes de violência sexual; foram conduzidas 1.725 consultas de saúde mental; 3.272 cirurgias foram realizadas; 4.407 pacientes foram encaminhados por ambulância, dentre os quais mais de mil eram mulheres em trabalho de parto; 42.578 consultas foram fornecidas por agentes de saúde comunitários, principalmente para malária, diarreia e infecções do trato respiratório.

Presente em muitos países onde forças governamentais e grupos armados não-estatais entram em conflito, MSF está comprometida com seu estatuto, que exige a prestação de cuidados de saúde sem

[1]Decisão Regional 966 RD/E/GNWR22/IGRS suspende a parceria entre Médicos Sem Fronteiras e Santa Maria Soledad, bem como parcerias afins com outras unidades de saúde da Região Noroeste enquanto se aguarda a definição de um quadro de atividades para Médicos Sem Fronteiras pelo Ministro da Saúde Pública (MINISANTE)

[2]De acordo com a Relatório Geral sobre as Necessidades Humanitárias = das Nações Unidas the United Nations’ Humanitarian Needs Overview, March 2021 https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/Cameroon%20Humanitarian%20Needs%20Overview%202021%20%28issued%20Mar%202021%29.pdf

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