Morreu ontem, sábado em Belém, o empresário e ex-prefeito de Itaituba Tibiriçá Santa Brígida Cunha, com que tive oportunidade de conviver quase diariamente por quatro anos no governo do ex-prefeito Wirland Freire. Na foto, eu e Tibiriçá, no dia da entrevista exclusiva.
Tibiriçá
sai da vida e entra para a história do município de Itaituba como um dos maiores
empresários locais, nos anos 1960 e 1970.
Por
ocasião da celebração do sesquicentenário da criação do município no qual viveu
boa parte de sua existência, o ex-prefeito concedeu uma entrevista longa e
exclusiva para o Jornal do Comércio, contando um resumo da sua história de vida
rica em acontecimentos. Foi uma das últimas entrevistas do gênero que ele
concedeu, a qual foi muito lida e comentada.
Eu
era chefe de gabinete do prefeito e Tibiriçá secretária da Fazenda. Agia como um
embaixador de Itaituba na capital do estado, resolvendo muitos problemas, tendo
por base sua experiência de prefeito por muitos anos e a rede de amigos que construiu
nas repartições públicas nas quais tinha que tratar.
Era
amigo pessoal e secretário da mais absoluta confiança do então prefeito Wirland
Freire.
Tibiriçá
Santa Brígida Cunha deverá ser lembrado em Itaituba, com a nomeação de algum
logradouro público de grande relevância. Não pode entrar no rol de pessoas
importantes, como D. Capistrano, que até hoje não recebeu uma homenagem póstuma.
Não serve nome de beco, passagem ou coisas do gênero. Ele deu sua inestimável
contribuição para o desenvolvimento de Itaituba.
A
seguir, reproduzo a matéria que publiquei no Jornal do Comércio há quase quinze
anos, a última homenagem a um homem de bem, que não veio a essa vida a passeio,
tendo deixado sua marca em tudo que fez. Bom pai, bom cidadão, empresário
pujante e político perspicaz.
Tibiriçá:
Meio século de dedicação a Itaituba
Ele ocupou os mais importantes cargos
públicos do município. Foi prefeito, interventor, vereador, secretário
municipal. Além disso, tornou-se um empresário bem sucedido. Conhece os últimos
cinquenta anos da história de Itaituba como pouca gente, tendo sido sujeito da
mesma e não, seu mero espectador. Nesta edição especial do Jornal do Comércio,
alusiva ao sesquicentenário da fundação de Itaituba, Tibiriçá faz um depoimento
da sua trajetória de vida.
Nasceu na cidade de Maracanã, no dia 25
de dezembro de 1928. Viveu durante alguns anos na cidade de Salinas, onde seu
pai foi fiscal de tributos daquele município. Com doze anos de idade mudou-se
para Belém para dar prosseguimento aos estudos.
Trabalhou como caixeiro numa mercearia da
capital. Confessa que não foi um aluno dos mais comportados, tendo sido
colocado de castigo, de joelhos em caroços de milho algumas vezes. Lembra dos
tempos em que era preciso decorar bem a tabuada, para evitar levar bolos dos
colegas. Sua juventude foi de trabalho e estudos, pois, com quinze anos já
trabalhava para ganhar seu sustento. O lazer foi muito pouco.
Aos dezoito anos apresentou-se para
prestar o serviço militar, mas foi dispensado por ser muito, mas muito magro. Dispensado
pelo Exército, tentou a Marinha e a Aeronáutica, mas, novamente não foi aceito
por causa do físico franzino. Como queria colocar uma farda de qualquer
maneira, sentou praça na Polícia Militar, em 1946. Com seis meses foi promovido
a cabo e com um ano chegou ao posto de sargento da PM. Permaneceu por cinco
anos na corporação, com um rápido interregno.
Tibiriçá quase concluiu o curso de
oficial, que foi interrompido porque o governador Joaquim Cardoso de Magalhães
Barata precisou de um sargento de confiança para mandar com urgência para
comandar o destacamento de Santarém, para fazer uma diligência e botar ordem na
casa.
Ele lembra que em Santarém havia uma rivalidade
muito grande entre a PM e o Tiro de Guerra. Nessa época, quando respondia como
delegado de Polícia de Santarém, o pessoal do Tiro de Guerra tentou invadir a
Delegacia de Polícia e ele se viu obrigado a abrir fogo, usando uma
metralhadora. Felizmente ninguém saiu ferido.
Botando o juiz para correr -
Nesse mesmo período ele foi mandado para Monte Alegre, onde respondeu pelo
destacamento da Polícia Militar e acumulou o cargo de delegado. Lá, havia
sérios problemas políticos com o juiz de direito, que era contra o governador.
Tibiriçá recebeu a seguinte incumbência de Barata: “você tem trinta dias para
fazer com que esse juiz saia de Monte Alegre”. Antes de findado o prazo
estabelecido o magistrado tinha ido embora. Foi condecorado pelo governador,
que apertou sua mão como sinal de agradecimento. Barata disse que ele era um
dos soldados mais leais da tropa.
Segundo Tibiriçá, não foi preciso usar de
qualquer tipo de violência. Bastaram algumas boas conversas. Mas, o registro
que ficou no imaginário popular dá conta de que o juiz foi mesmo botado para
correr, como gostava de contar, sempre com muito bom humor, o saudoso prefeito
Wirland Freire.
Pouco depois ele retornou para Belém. A
essa altura chegara à conclusão de que seu negócio não era ser militar. Fez a
prova de seleção para coletor de tributos do Estado. Foi aprovado e logo
nomeado pelo governador, destacado para o município de Itaituba, exatamente
meio século atrás, em 1956. A partir de então começou uma ligação com Itaituba
que nunca foi interrompida. “Eu vim passar uma chuva e acabei ficando até
hoje”, disse.
“Naquele tempo Itaituba vivia exclusivamente do extrativismo: borracha, peles de animais silvestres, uma agricultura incipiente, caça e pesca. Mas, a principal atividade era a produção de borracha. O movimento comercial desta região concentrava-se em S. Luís e em Fordlândia.
A grande empresa da vila de Fordlândia era a de
propriedade de Manuel de Jesus Moraes; em S. Luís, quem comandava era a Alto
Tapajós, que de três em três meses recebia um navio para carregar de borracha.
Em Itaituba só havia uns botecos. Dessa forma, eu passava o mês quase todo
viajando e só vinha a Itaituba para fechar o balanço e pagar as professoras,
porque naquele tempo a coletoria era que pagava os funcionários do Estado. A
gente arrecadava e pagava” disse Tibiriçá.
As viagens do então coletor estadual eram
feitas em canoas. Era necessário pagar um remador, que usava faias, um tipo de
remo fixado na embarcação. Havia uma tolda na canoa para proteger piloto e
passageiro do Sol inclemente. Motor de poupa não havia. O primeiro foi trazido
por Tibiriçá, mais ou menos uns cinco anos depois de chegar aqui. Era um Penta,
conhecido também, como 10/12.
Em 1962 Tibiriçá Santa Brígida disputou
a eleição para prefeito com apoio do governo do Estado, tendo como opositor
Homero Gomes de Castro, apoiado pelo deputado estadual Nilçon Pinheiro, homem
de muitas posses, que comandava o movimento de garimpo naquela época. Elegeu-se
e uma de suas primeiras medidas foi chamar Homero para fazer parte do governo.
A primeira vez que ele deveria sair
candidato, houve um mal estar com a comunidade católica de Itaituba. Tibiriçá
foi o responsável pela vinda do primeiro pastor protestante para o município.
Foi o pastor Marinho, da Igreja Batista. Além disso, era maçom, numa comunidade
de esmagadora maioria católica, comandada pelos frades franciscanos.
O governador Magalhães Barata achou por bem
chamar Teófilo Furtado para ser o candidato, o qual ganhou a eleição. Só depois
que conseguiu reatar sua amizade com marianos, filhas de Maria e demais grupos
locais da Igreja Católica é que tudo voltou ao normal e ele pôde ser candidato.
COM JUSCELINO E JANGO - Tibiriçá
esteve com o presidente Juscelino Kubitscheck diversas vezes; a última delas
quando era vereador, durante uma convenção nacional do Partido Social
Democrático (PSD). Como milhões de brasileiros, considera que JK foi um dos
maiores presidente que este País teve, se não o maior.
Homem empreendedor, transformou o Brasil numa
nação progressista. Esteve, também, com João Goulart, a quem entregou a
primeira grande pepita de ouro, extraída em garimpos do município. Pesava 150
gramas Antes da viagem para ser recebido pelo presidente João Goulart pediu
licença à Câmara por trinta dias para tentar resolver o problema de energia
elétrica da cidade. “Eu disse aos vereadores que, se eu não conseguisse
resolver o problema, quando chegasse de volta de Brasília renunciaria o meu
mandato".
“A questão da energia elétrica era
muito complicada, porque a usina de luz que havia era movida a vapor. Um dia o
problema era com o burro que carregava lenha, noutro era o boi Torino. Ambos eram
usados para carregar lenha, que fugiam e assim não havia energia naquele dia.
Então, como prefeito, tinha que tentar resolver isso.
Muitos órgãos ainda funcionavam no Rio de
Janeiro e isso fez com que eu ficasse na ponte aérea entre Brasília e Rio. Consegui
no Ministério de Minas e Energia, junto ao Dr. Estrela, um destaque da verba
global do MME na ordem de CR$ 8.000,00 (Oito Mil Cruzeiros).
Quando fui levado ao gabinete do ministro ele
perguntou se aquela importância daria para comprar o grupo gerador. Eu disse
que sim, mas ele resolveu aumentar para CR$ 10.000,00. Três dias depois o
cheque me foi entregue pelo próprio ministro. Naquele tempo não se colocava na
conta da Prefeitura.
Ele fez a seguinte observação: prefeito, vá e
compre o grupo gerador, mas seja honesto. Preste contas direitinho. É só o que
eu peço. Eu viajei para Belém para comprar o tão esperado motor. Quando cheguei
na empresa e acertei o negócio, o dono perguntou se eu queria o desconto, por
dentro, ou por fora. Eu disse que nem por dentro, nem por fora, mas, dentro da
legalidade. Ele concedeu um desconto na nota, eu paguei e viajei para
Itaituba”.
Quando eclodiu o golpe militar de 1964,
Tibiriçá Santa Brígida Cunha estava em Brasília, juntamente com vários outros
prefeitos do Pará, preparando-se para voltar para Itaituba. Tiveram que ficar
no hotel, pois ninguém podia sair nem entrar na cidade. O Hotel Nacional, onde
estava hospedado, amanheceu cercado por tanques e soldados do Exército e da
Polícia.
O dinheiro dele e de seus colegas
estava acabando e se continuassem lá poderiam ser despejados do hotel. Foi
quando teve a ideia de convidar os demais prefeitos para procurarem o
presidente interino, deputado Ranieri Mazzilli, que na condição de presidente
da Câmara Federal assumira no lugar de João Goulart, que havia sido deposto.
O presidente os recebeu e ouviu deles o relato
da situação em que se encontravam. Não eram autorizados a viajar, nem tinham
mais dinheiro para ficar no hotel. O presidente chamou um auxiliar e determinou
que fosse feito um memorando para o Hotel Nacional, informando que, a partir
daquela data, os prefeitos passariam a ser hóspedes da Presidência da
República. Tibiriçá ficou por mais dez dias em Brasília.
Ao chegar a Belém ele ainda teve que
prestar depoimento no quartel general do Exército. Pelo jeito tinham feito uma
devassa em sua vida e nada encontraram que conflitasse com a ideologia do novo
regime. Incontinente, foi nomeado interventor do município de Itaituba. Desse
modo, ele foi um dos poucos políticos que se ausentou da sede de seu município
como prefeito, para tratar de assuntos de interesse do mesmo e voltou como
interventor, permanecendo por pois anos nesse cargo, o qual foi transferido
para Raimundo Altamiro da Silva.
BARATA - “Eu venho daquela
geração, onde havia muita seriedade, muita lealdade. O Barata, quando morreu,
não deixou, sequer, uma casa para a família. Eu trabalhei com um filho dele,
que era fiscal, o qual dizia que a única herança que o pai tinha deixado para
ele era o emprego.
Barata não suportava ladrão. Amigo dele podia
até ter alguns defeitos, mas se fosse pego roubando, pois era riscado do rol de
suas amizades. É verdade do ditado que é citado até hoje, de sua autoria: Para
os amigos os favores da Lei; para os inimigos, os rigores da Lei.
Ele atendia os pobres sem burocracia.
Conversava, apertava a mão de cada um. Mais ou menos como fazia Wirland Freire,
que quando foi prefeito mantinha suas portas abertas para o povo, com
espontaneidade. Eu trabalhei com o Barata até sua morte. Eu o vi morrer. Nas 24
horas antes dele morrer eu estive a maior parte do tempo com ele, lá na Rua
Manuel Barata, em Belém”.
WIRLAND - “O maior líder
político que eu conheci em Itaituba foi Wirland Freire. Tenho certeza que, até
de cadeira de rodas ele conseguiria eleger-se prefeito. Ele trouxe do berço o
talento de líder. Sabia como liderar. Tivemos outros líderes, como Teófilo
Furtado, que exerceu uma boa liderança, Altamiro e outros. Mas, o grande líder,
o maior de todos foi Wirland. Era uma liderança inata. Para o povão ele não
tinha defeitos.
Lembro-me que quando era dia de
pagamento, o Wirland dizia-me para levar o salário dele, de prefeito, todo em
dinheiro trocado. Da primeira vez eu quis saber o porquê disso. Quando eu
chegava lá havia uma fila enorme; um dizia que tinha acabado o gás, outro
falava do remédio que precisa.
Disse-me que aquele dinheiro ele devia dar aos
mais necessitados, pois precisavam muito mais do que ele. Era o mínimo que
podia fazer por aquele povo, dizia. E Wirland não ajudava somente com o seu
salário de prefeito, não. Quanta gente ele ajudou com dinheiro do próprio
bolso. Se o assunto era problema de saúde, a pessoa que o procurava podia ser
até do partido do Capeta que ele fazia o que estivesse ao seu alcance. Cansei
de vê-lo mandar seu avião deixar gente em Santarém, em Belém e tantos outros lugares.
Neste momento histórico do
sesquicentenário de Itaituba, posso, sem falsa modéstia, dizer que fui um dos
que fizeram muito por este município. Implantei o curso primário, o ginásio,
usina termo termoelétrica, o primeiro posto médico, o trapiche e inúmeras
outras coisas.
Hoje, Itaituba tem muita gente preparada, até mais do que eu para dirigir o município, mas, com a diferença na experiência de vida e no conhecimento do passado. Sou um homem plenamente realizado na vida. Até hoje continuo prestando serviços de assessoria para a Prefeitura e para a Câmara de Itaituba, porque eu quero ver este município desenvolver; quero ver essa juventude ter oportunidade de crescer, segundo o caminho do bem”, concluiu Tibiriçá.
Jota Parente