O jornalista Miguel Oliveira, um santareno, que viveu por alguns anos em Belém, conhece em detalhes a luta pela emancipação política da parte Oeste do Pará. No artigo a seguir, ele faz uma análise correta do estágio atual da campanha por um novo plebiscito. E para quem vive fora de Santarém, onde se concentra a maior força desse movimento, trata-se de uma excelente leitura. Recomendo.
Jota Parente
No dia 11 de dezembro de 2011, a maioria da população paraense foi às urnas dizer 'Não' à divisão do Pará. Naquela ocasião, discutia-se um projeto que dividiria o Estado em três: Pará, Carajás e Tapajós. Por maioria absoluta, a proposta foi rejeitada. O plebiscito no Pará foi considerado o maior plebiscito regional da história do Brasil.Mas, o que torna o atual Projeto de Decreto Legislativo diferente daquele aprovado pelo Congresso para a realização do plebiscito de 2011? Apesar de a proposta apresentada pelo então senador Siqueira Campos (DEM-TO), em 2019, sugerir a consulta da população paraense apenas para a criação do Estado do Tapajós, é pouco provável que o resultado nas urnas, caso seja aprovada a realização do novo plebiscito, seja diferente daquele de 2011.
Há 10 anos, havia maior mobilização da classe política, tanto nos âmbitos municipal e regional, quanto no federal. Em Brasília, o movimento separatista ganhou apoio de deputados e senadores simpatizantes à causa. Empresários e a sociedade civil organizada também tiveram maior envolvimento. A criação do Estado do Tapajós era um desejo comum entre a maioria da população. Mas alguns políticos estaduais, que sempre foram contrários à emancipação, como o ex-vice governador Helenilson Pontes, oportunisticamente, defendem, agora, que a consulta continue a ser realizada em todo o estado do Pará.
O atual governador Helder Barbalho, que recebeu expressiva votação em duas eleições nas regiões do Tapajós e Carajás, tendo como candidato a vice o ex-deputado Lira Maia, um dos maiores incentivadores do plebiscito de 2011, na primeira disputa ao governo em que foi derrotado, recentemente demonstrou que não apoia a realização do plebiscito para a criação do estado do Tapajós.
Helder diz que o momento é "inoportuno" e que o sentimento regional já não é o mesmo do período em que o Baixo-Amazonas não era considerado prioridade do governo estadual. O chefe do executivo estadual tem marcado presença constante na região para demonstrar, segundo ele, que "os tempos são outros". Mesmo assim, por causa desse seu posicionamento, o governador vem sendo criticado com frequência nas redes sociais.
Talvez esse raciocínio do governo estadual de se fazer presente com obras e serviços em toda região Oeste pode explicar o porquê, atualmente, as ações para a aprovação do plebiscito ocorrerem de forma isolada, sem envolvimento da maioria da sociedade, apenas de alguns políticos paroquiais, além de líderes de um movimento com clara vinculação ao bolsonarismo, sem força expressiva e nem representatividade, no município de Santarém ou fora dele.
Novamente, pela proposta em debate no Senado Federal, em caso de um novo plebiscito toda a população paraense terá que participar da consulta e não apenas a região interessada. O que aumenta a desvantagem numérica a favor do ‘Não’.
Em 2011, uma estratégia mal elaborada, a inclusão da criação do Carajás, a falta de articulação e força política, além da inexistência de uma campanha convincente da população paraense sobre a real necessidade da divisão territorial foram alguns dos muitos fatores que levaram à derrota no plebiscito.
Naquela ocasião, os eleitores tinham que responder a duas perguntas: "Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Carajás?" e Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Tapajós?"
Do total de 3.549.107 (98,54%) eleitores que votaram no plebiscito, 2.344.654 (66,08%), e 2.363.561 (66,60%), rejeitaram a criação dos estados do Tapajós e Carajás, respectivamente. Disseram sim 1.185.546 (33,40%) e 1.203.574 (33,92%).
Em 2011, o total de eleitores paraense era de 4.848.495. Desse total, 3.601.849 foram às urnas votar. Foram registrados 1.246.646 (25,71%) abstenções.
Santarém e Marabá, como era esperado, tiveram recorde absolutos de votos a favor da divisão: 98,6% e 93,2%, respectivamente. Mas, a soma dos votos dessas duas regiões não foi suficiente para bater a votação expressiva registrada em Belém e nas regiões Nordeste e Marajó, que possuem, somados, o maior eleitorado paraense: 94,8% eleitores da região que remanesceria do Pará foram contra o Carajás e 93,8% votaram contra o Tapajós. Um detalhe: Altamira, que estava incluída no mapa do pretenso estado do Tapajós votou não pela proposta de redivisão.
Hoje, o total de eleitores paraenses aumentou. São 5,5 milhões, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Só Belém tem 1.043.219 eleitores aptos. Em Santarém, são 221.537 eleitores aptos ao voto.
Em 2011, a população de Santarém e Marabá, juntas, somavam pouco mais de 300 mil habitantes. O número de paraenses também aumentou, segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 8.777.124.
A capital segue com seus mais de 1,5 moradores. São exatas 1.506.420 pessoas; enquanto Santarém, também segundo a estimativa do IBGE, possui 308.339 habitantes.
10 anos se passaram desde a derrota do referendo de 2011 que dava ao povo o direito de decidir se era a favor da divisão territorial e da criação dos novos estados federativos.
Na última quarta-feira (17), o Senado Federal colocou em votação o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 508/2019, que convoca um novo plebiscito sobre a criação do Estado do Tapajós. Um pedido de vistas do senador Jader Barbalho (MDB), apoiado por vários senadores da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), adiou a votação da matéria, que deve voltar à pauta esta semana.
A verdade é que, salvo apenas para os que estão fazendo do plebiscito uma bandeira meramente eleitoral, não há mais um interesse comum como em 2011. Nem empolgação, nem a vontade de superar o ressentimento pelas décadas de abandono político e falta de investimentos na região. Nem a desigualdade econômica entre as regiões motiva na maioria das pessoas o desejo por um novo plebiscito. Sem esse envolvimento, a chance de o ‘Sim’ pela criação do Tapajós fracassar nas urnas é ainda maior.
O sonho de criação do Estado do Tapajós, ao contrário do Carajás, é bem mais antigo e muito mais legítimo.
Mas isso depende de uma alteração na Constituição Federal para que apenas a população diretamente interessada venha a se manifestar. Caso contrário, tratar-se-á, mais uma vez, de uma derrota conhecida de véspera.
Eu, apesar do encaminhamento equivocado dessa nova proposta de plebiscito, jamais renunciarei à minha já conhecida posição favorável à redivisão do Pará.
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