A ativista Claudelice Santos, que atua na preservação do meio ambiente no Pará, perdeu irmão e cunhada e também sofre ameaças Foto: Agência Católica para o Desenvolvimento Ultramarino |
Ameaça, opressão, medo dentro da própria casa. As violências sofridas pelas mulheres ambientalistas, muitas vezes líderes comunitárias e defensoras de terra na Amazônia Legal, se multiplicam. Uma pesquisa do Instituto Igarapé com 125 ativistas mostra que oito em cada 10 afirmam já terem sofrido algum tipo de ataque por sua atuação. Muitas vezes, vem do próprio companheiro. Em vários casos, termina em ameaças, agressões e morte. De 2012 a 2020, 48 foram assassinadas por pistoleiros, segundo a Comissão Pastoral da Terra.
Na semana passada, a líder da Liga dos Camponeses Pobres, Ilma Rodrigues dos Santos, de 45 anos, foi morta com o marido, Edson Lima Rodrigues, de 43, numa estrada a 200 quilômetros de Porto Velho. Atuavam em um acampamento na região da fazenda Nova Brasil. O carro de ambos foi incendiado com os corpos ao lado.
O Igarapé ouviu ativistas que já sofreram ou testemunharam violências, e precisaram deixar suas terras ou fazem parte de programas de proteção governamentais, no Acre, Amazonas, Maranhão, Pará e Roraima.
Filha perseguida
Uma delas é Claudelice Santos, 39 anos. Há 11 anos, o irmão, José Paulo, e a cunhada, Maria, foram mortos por pistoleiros em Nova Ipixuna (PA). Hoje, ela atua pela preservação ambiental e do direito à terra dos povos tradicionais, e também pela punição aos criminosos. Mas precisou deixar a comunidade onde morava.
— O mandante continua solto. Fizeram uma tocaia, perseguiram e atiraram. Arrastaram os corpos para a mata e cortaram uma orelha dele (o irmão). A investigação nunca foi para frente — conta. — Recebi ameaças nas redes sociais e até chegou um bilhete intimidador na caixa de correio da minha mãe, bem idosa. Recentemente, minha filha e minha sobrinha foram perseguidas perto da reserva ambiental onde meu irmão foi morto, porque dirigiam o meu carro. Elas conseguiram escapar, mas quase capotaram.
A ativista, que destaca em sua rede social que “é melhor morrer lutando que morrer omisso”, conta que se sentiu tocada ao ouvir de outras mulheres, ao participar da pesquisa também como entrevistadora, histórias parecidas. Para Claudelice, as mulheres nunca estiveram tão à frente de causas sociais, mas também nunca tão vulneráveis.
— Por conta de ameaças e manobras, perdem tudo, ficam sem nada, e o Estado não resolve nem o problema delas, nem os conflitos que tem de resolver. Ficou tudo ainda mais perigoso, porque, enquanto nós estamos desamparadas, o fazendeiro está armado, o garimpeiro está armado, quem viola está armado e respaldado por um discurso de ódio do presidente (Jair Bolsonaro) contra os povos tradicionais — critica.
As entrevistadas puderam relatar mais de uma violência, e de mais de um autor. Assim, 27% disseram ter sofrido violência moral; 19,7%, violência física; 14,2%, ameaça sem uso de armas; 10,8%, violência psicológica; e 9,5%, violência ou ameaça contra familiares. As investidas mais frequentes são de desconhecidos ou de agressores anônimos (59 casos), seguido dos próprios parentes (28), de funcionários públicos municipais (11), de madeireiros, garimpeiros e fazendeiros (8) e da própria polícia (8).
— Uma frase que me marcou muito, de uma das entrevistadas, é: “quando você nasce na Amazônia, como uma camponesa, não tem como não ser ativista”. A vida toda, você está lutando por seus direitos. É fundamental que se traga proteção para essas mulheres. Qual a rede de proteção hoje? A quem elas podem recorrer? Temos um caminho longo ainda para que isso se resolva — comenta Renata Gianini, coordenadora de Programas do Igarapé.
O estudo destaca que, das 14 milhões de mulheres na Amazônia Legal, mais da metade — 7,5 milhões — vive em áreas de conflitos que as afetam de alguma forma. Segundo as secretarias de Segurança Pública dos estados da Amazônia Legal, 1.398 mulheres foram mortas na região em 2020, por motivos diversos.
Antônia Cariongo, de 42 anos, do quilombo Cariongo, atua há mais de dez anos no Maranhão em defesa dos povos quilombolas e pela regulamentação fundiária dos territórios. Há menos de dois anos, passou a ser violentamente intimidada por um fazendeiro e servidor público do estado.
Ameaça em vídeo
Há anos, o homem, poderoso e articulado politicamente, reivindicava terras pertencentes historicamente a uma pequena comunidade, Cedro, com 150 famílias. Quando Antônia conseguiu na Fundação Palmares o reconhecimento do local como terra quilombola, o fazendeiro, que já teria destruído casas, quintais, matado animais e desmatado como intimidação, passou a ameaçá-la.
— Ele disse, num vídeo, que tinha todas as minhas informações. Sabia quantos filhos eu tinha, até o nome da parteira que tinha me trazido ao mundo. Que eu poderia esperar, que ele tomaria as providências, para que eu aprendesse a respeitar — lembra. — Fiquei em pânico.
Na semana seguinte, dois motoqueiros foram à minha casa. Não eram da região. Desceram procurando o endereço e vieram correndo até mim. Entrei em casa rapidamente e consegui escapar. Eles ficaram um tempo na minha porta e depois foram embora.
Antônia chegou a entrar em um programa estadual de proteção a pessoas ameaçadas, mas não cumpriu a orientação de se mudar. Chegou a pensar em desistir, ideia endossada por boa parte da família. Hoje, atua sem chamar a atenção: não anda com camisetas estampadas nem vai sozinha às comunidades.
— Precisamos de políticas públicas que possam atender essas mulheres. Não apenas de proteção. A partir do momento em que ela assume o papel de líder de movimentos rurais, a primeira violência é ser abandonada pelo marido, que não aceita. Depois, se você é ameaçada, fecham-se até as portas de emprego, porque o próprio programa de proteção defende que você não tenha uma rotina. Se você, mulher, com dois, três, quatro filhos, não tem como trabalhar, depende de parentes, olha o tamanho da vulnerabilidade — afirma.
Fonte: O Globo
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