Mais de 97% dos alertas de desmatamento emitidos desde 2019 não foram fiscalizados pelos órgãos responsáveis do Brasil. Os dados foram divulgados nesta terça-feira (3) e são resultado de um levantamento feito pelo MapBiomas, plataforma de informações ambientais e territoriais do país, em parceria com o Instituto Centro de Vida, organização da sociedade civil, e o Brasil.IO., repositório de dados públicos.
A fiscalização no Brasil
O cruzamento dos dados foi nomeando como "Monitor de Fiscalização do Desmatamento" e este é o primeiro levantamento divulgado sobre a situação no país.
Segundo o Monitor, até março de 2022, no caso do governo federal, apenas 2,17% dos alertas de desmatamento tiveram algum tipo de fiscalização. A área com ação de fiscalização representa 13,1% do total desmatado desde 2019. O órgão responsável é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que recentemente ganhou o apoio do Exército em algumas ações — alvo de críticas de ambientalistas e especialistas (leia mais abaixo).
Apenas em abril, na Amazônia, foram 423 km² de área com alertas de desmatamento, de acordo com o Deter, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número é menor do que o registrado em 2021, quando a área bateu o recorde da série histórica: 579 km². De qualquer forma, ambos os anos apresentaram valores acima da média registrada para o mês de abril (2015 a 2020), que estava 342 km².
Recorte por estado
A taxa de fiscalização do desmatamento varia de estado para estado, de acordo com o Monitor. Veja, abaixo, alguns estados com destaques apresentados no relatório:
- Em Minas Gerais, ações de fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) ou autorizações — quando o desmate é permitido — do Instituto Estadual de Florestas (IEF) chegaram a 22,4% dos alertas de desmatamento. Ocorreram ações em 34,6% da área desmatada.
- No Mato Grosso, 29,5% dos mais de 13 mil alertas de desmatamento geraram fiscalização ou autorizações de desmatamento. O estado adquiriu um sistema de alertas com imagens de alta definição e fortaleceu o combate aos crimes ambientais. O índice reflete ações em 41% da área com alertas emitidos.
- O Pará é o estado com o maior número de alertas do país validados pelo MapBiomas: são mais de 60 mil desde janeiro de 2019 - e apenas 1,8% desses alertas geraram algum tipo de ação ou embargo do governo estadual, o que representa 9,8% do território detectado com perda de floresta.
- Já em São Paulo, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sima) cobriu 21% dos alertas emitidos desde 2019, ou 26% da área. Em Goiás, as ações chegaram a 10,3% dos alertas, ou 24,8% da área detectada.
O que falta para fiscalizar?
Os especialistas entrevistados pelo g1 apontam uma série de fatores - alguns recentes, mais agudos no governo de Jair Bolsonaro, e outros mais crônicos, historicamente recorrentes no Brasil.
Um dos problemas da atual gestão, apontado em relatório do Observatório do Clima, rede que reúne mais de 70 entidades da sociedade civil, divulgado em fevereiro, é que o principal órgão federal responsável pela fiscalização do desmate não está gastando o próprio dinheiro.
O Ibama liquidou 41% dos R$ 219 milhões que estavam disponíveis para fiscalizar os biomas brasileiros contra crimes ambientais, entre eles a Amazônia e o Cerrado.
Nos governos anteriores a Bolsonaro, o Ibama costumava gastar entre 86% a 92% dos recursos disponíveis para fiscalização.
Já um dos fatores crônicos é a falta de profissionais do Ibama para autuação na Amazônia. Ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo diz que a falta de fiscais em campo é um problema antigo, impulsionado pela pandemia e pelo aumento no pedido de aposentadorias.
Segundo a especialista, há anos o Ibama não tem feito novos concursos públicos para a contratação, com um quadro que ficou ainda mais reduzido com parte dos servidores em quarentena.
"Na Amazônia, não deve chegar a 500 fiscais. E não adianta militarizar, porque os militares não podem lavrar os autos. Eles precisam ir com um fiscal. Não adianta encher de gente lá no meio da floresta com pessoas que não estão treinadas para a fiscalização ambiental. Precisa fazer um planejamento prévio, com muito dado de satélite, rastreamento da cadeia produtiva, e ligação com outros ilícitos ambientais", disse ao g1.
Em agosto de 2020, os servidores do Ibama divulgaram uma carta aberta ao presidente do órgão e à sociedade brasileira. Eles alertavam sobre a queda de 24% no número de fiscais do órgão entre 2018 e 2019, entre outros problemas. Mais de 400 funcionários do instituto assinaram o documento.
Já em setembro de 2021, mais de um ano depois, o governo federal publicou uma portaria para a contratação de 568 cargos efetivos para o Ibama, com 96 analistas ambientais, 40 analistas administrativos e 432 técnicos ambientais. Para Araujo, ainda assim, a contratação não contempla o problema:
"Primeiro, o número é insuficiente. Segundo, eles estão buscando tudo em nível médio, o que não vai resolver. A fiscalização hoje é muito sofisticada, pra ela funcionar direito você precisa de pessoas que trabalhem com imagem de satélite, com cruzamento de dados públicos, pessoas com nível de atividade inteligência. A fiscalização não é chutar a porta da fazenda há muito tempo".
Além disso, há uma espécie de autorização implícita para desmate, com base no discurso do próprio governo federal. O Supremo Tribunal Federal (STF) está em fase de julgamento do chamado "Pacote Verde", conjunto de 7 ações relacionadas à causa ambiental.
Em uma petição inicial feita em 2019 pela Rede Sustentabilidade, o partido acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento da Amazônia e pede que seja implementado um conjunto de ações para de fato enfrentar o problema.
Entre as medidas, estão a execução integral do orçamento dos órgãos ambientais, a contratação de equipes novas para ações de fiscalização e a elaboração de um plano real de contingência da perda de floresta.
A Rede alega que cabe ao Poder Público a conscientização da sociedade para preservação do meio ambiente e, nesse contexto, as manifestações do presidente são relevantes — "em todas as suas declarações Jair Bolsonaro faz pouco caso do meio ambiente ou do desmatamento extensivo da Amazônia", disseram os autores.
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