O uso das instituições públicas para buscar informações contra as urnas eletrônicas vem desde 2019 e envolve o general Luiz Eduardo Ramos e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), atrelada ao Gabinete de Segurança Institucional chefiado pelo também general Augusto Heleno, mostra o inquérito da Polícia Federal.
A investigação da
PF, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo
Tribunal Federal), foi aberta para apurar a live presidencial de 29
de julho de 2021.
Na ocasião, o
presidente Jair Bolsonaro (PL) fez seu maior ataque ao sistema eleitoral, apresentando uma
profusão de mentiras e teorias da conspiração sobre as urnas. O caso agora
tramita dentro do inquérito das milícias digitais.
Bolsonaro ataca o
sistema eleitoral desde quando era deputado e aumentou o tom das críticas na Presidência, em especial após a sua popularidade
diminuir com as seguidas crises de sua gestão. Foi quando passou a levantar
suspeitas sobre os resultados desta próxima eleição.
No embalo de
Bolsonaro, as Forças Armadas passaram a questionar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre supostas fragilidades no sistema
eletrônico de votação e criaram tensão com o
Judiciário por causa do alinhamento às teses conspiratórias do presidente da
República.
Com o aumento das
críticas, em 2021, o TSE deu prazo para que Bolsonaro apresentasse provas sobre
as supostas fragilidades do sistema eleitoral.
Quando se
aproximava o fim do prazo, estipulado para agosto de 2021, o presidente
convocou a live de 29 de julho em que atacou diretamente o sistema eleitoral e,
entre outros fatos, levantou sem provas a suspeita de fraude na eleição de
2014, quando Dilma Rousseff (PT) venceu o tucano Aécio Neves.
No caso de 2014,
Bolsonaro utilizou como prova uma análise simplória sobre o suposto padrão nos
números da apuração dos votos que deu a vitória para a petista. O material, uma
planilha com os números de votos, foi elaborado pelo técnico em eletrônica
Marcelo Abrieli.
Chamado para depor
no inquérito aberto pela PF, Abrieli relatou como foi procurado ainda no
primeiro ano de governo, em 2019, pelo general Luiz Eduardo Ramos, atual
ministro da Secretaria-Geral da Presidência, para convidá-lo a participar de
uma reunião com Bolsonaro no Planalto.
O tema do encontro
era "indícios de fraudes" nas urnas.
"No final de
2019, o general Ramos entrou em contato, por telefone, com o declarante para
agendar uma reunião no Palácio do Planalto com o presidente Bolsonaro. Que a
reunião teria como tema indícios de fraude nas urnas eletrônicas e que o
declarante falaria sobre as informações descobertas em 2014 sobre as
eleições", disse Abrieli no depoimento.
De acordo com a
versão dada por Abrieli, além do general Ramos e Bolsonaro, participaram da
reunião de aproximadamente uma hora de duração cerca de oito pessoas.
O técnico em
eletrônica disse à PF que relatou suas descobertas sobre a possível fraude no
pleito de 2014 e que as outras pessoas também apresentaram informações sobre
possíveis falhas nas urnas.
Questionado pela PF
sobre quais informações seriam essas, Abrieli disse não se recordar do conteúdo
das apresentações, mas afirmou "saber informar que tudo girava sobre o
mesmo tema, ou seja, possível fraude das urnas eletrônicas".
Ainda em seu
depoimento, o técnico em eletrônica afirmou que, entre junho e julho de 2021,
foi novamente procurado pelo general Ramos. Segundo ele, o contato foi feito
quando Bolsonaro estava junto com o general e a ligação foi colocada no viva
voz.
"Durante essa
conversa foi avisado que estavam reunindo várias informações sobre possível
fraude nas urnas eletrônicas. O general Ramos pediu para o declarante falar um
pouco sobre as informações que descobriu", disse Abrieli à PF.
Logo após a
conversa, segundo Abrieli, outro militar, o coronel Eduardo Gomes da Silva,
responsável por apresentar as suspeitas de fraudes na live, entrou em contato
com o argumento de que estava trabalhando com Ramos "na coletânea das
informações" sobre as urnas.
Além de Ramos,
Augusto Heleno, militar que chefia o Gabinete de Segurança Institucional e, por
consequência, a Abin, também atuou para obter desinformação contra as urnas.
No mesmo inquérito,
o perito criminal da PF Ivo Peixinho, especialista em crimes cibernéticos e
responsável por testes nas urnas eletrônicas, disse que, entre 2019 e 2020, o
governo federal, por meio da Abin, buscou informações sobre a segurança no
sistema eleitoral brasileiro.
O perito conta que
"em 2019 ou 2020" a Abin, sob o comando de Alexandre Ramagem, amigo da família
Bolsonaro e chefiado por Heleno, enviou uma consulta "sobre informações
sobre ocorrências ou atividades envolvendo urnas eletrônicas nas
eleições".
Segundo ele, nessa
ocasião, produziu um informe com todas as atividades da PF sobre o tema e os
relatórios de análise no código fonte das urnas e testes públicos do TSE.
Procurado, o
Gabinete de Segurança Institucional afirmou que não se manifesta sobre temas
sob apreciação da Justiça Federal.
Embora não
apontasse para nenhuma possibilidade de fraude, o material produzido nos testes
por Peixinho e outros peritos da PF foi utilizado na live presidencial pelo
ministro Anderson Torres (Justiça).
Apesar dos
depoimentos, os generais de Bolsonaro não entraram até agora na mira desse
inquérito da PF.
Ao concluir a
apuração, a delegada Denisse Ribeiro entendeu que a busca por informações para
desacreditar o sistema eleitoral é mais um evento relacionado à organização
criminosa investigada no inquérito das milícias.
Segundo a delegada,
a live presidencial foi realizada com o "nítido propósito de desinformar e
de levar parcelas da população a erro quanto à lisura do sistema de
votação" e "alimenta teorias que promovem fortalecimento dos laços
que unem seguidores de determinada ideologia dita conservadora"
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