segunda-feira, junho 27, 2022

Expedição América do Sul: Gasolina a preço de água, e aniversário na estrada

18 de outubro de 2008, dia em que completei 58 anos de idade, levantei às cinco horas da manhã pensando que eram seis. Desliguei o ar-condicionado do apartamento para que o Jadir acordasse. Depois que já estávamos prontos, meu amigo cumprimentou-me pela passagem do meu aniversário. Às 06:05 já tínhamos pegado a estrada.

          Valeu a pena acordar cedo, pois na saída da cidade de Morón fomos presenteados com uma das imagens mais belas de toda a viagem, um nascer do Sol magnífico numa praia do mar do Caribe, entre coqueiros. Como eu gosto muito de fotografia, aquilo teve o significado de um presente de aniversário que a Natureza me concedeu.

          Morón, com seus 25 mil habitantes e seu complexo urbano-industrial ficou para trás. Seguimos em frente, tendo o mar do caribe como companhia por algumas horas. Por volta de 09:00 bateu um sono pesado em mim. Tive muitas dificuldades para manter-me desperto, e houve um momento em que corri sério risco, pois cochilei em cima da moto. Foi coisa muito rápida, talvez uns dois segundos, mas o suficiente para assustar-me quando despertei com um carro atrás de mim em alta velocidade. Isso aconteceu antes e voltaria a acontecer várias outras vezes, tanto comigo, quanto com o Jadir.

          Pouco depois das nove da manhã chegamos a Coro, capital do estado de Falcón, fundada em 1521, uma cidade histórica que conserva muito bem seu patrimônio arquitetônico do Século XVI, construído pelos espanhóis. Registramos nossa passagem por lá com nossas lentes, procurando não demorar, pois queríamos atravessar a fronteira com a Colômbia naquele mesmo dia.

          Quase duas da tarde passamos por Maracaibo, a segunda maior cidade da Venezuela, capital do estado de Zulia, fundada pelos espanhóis em 1529. Sua população é de mais de 1 milhão e 300 mil habitantes. A gente mal vê a cidade, porque a fumaça emanada das torres de extração de petróleo do Lago Maracaibo ofusca quase tudo. Fizemos fotos da enorme ponte de 8,5 km e fomos adiante.

          Quando faltavam 40 km para a fronteira com a Colômbia, os pontos de controle aumentaram muito. Era um atrás do outro. A maioria deles era da Guarda Nacional, mas, havia uns da Polícia do Estado de Zulia. Numa das últimas ALCABALAS, nome dado aos postos de controle da Guarda Nacional, eu tive problemas.

          Como fiz dezenas de vezes, passei devagar, olhando para o lado, para ver se algum militar fazia sinal para que eu parasse. Naquela, passei um pouquinho mais ligeiro do que deveria. Quando eu já ia a uns 300 metros, observei que mandaram o Jadir parar. Incontinenti senti que o problema não era com ele, mas comigo. Por isso, fiz a curva e voltei imediatamente, para não piorar as coisas.

          “O senhor pensa que está na sua casa? Quem o senhor pensa que é, para passar assim como fez? O senhor não viu o aviso de parar? Por causa disso está multado em 600 bolívares fortes (equivalentes a quase R$ 300,00). O senhor tem que pagar em moeda nacional, pois não são aceitos dólares ou qualquer outra moeda estrangeira. Se não tiver o dinheiro, a moto vai ficar retida até que a multa seja paga”, disse o tenente Jorge Maldonado, muito ríspido.

          Eu tive que me humilhar bastante para tentar sair daquela situação muito embaraçosa. Disse ao militar da toda poderosa Guarda Nacional venezuelana, que humildemente, pedia mil perdões por ter feito aquilo. Falei que era um cidadão cumpridor das leis no meu país e que não seria no país deles, onde a gente estava sendo muito bem tratado, que iria começar a desrespeitar as leis. Isso já era perto de três da tarde, com um Sol de rachar. Então, ele nos convidou a irmos para a sombra para continuar a dura conversa.

          Depois de mais de vinte minutos, eu e o Jadir argumentando, nada do homem ceder. Então eu disse que éramos aventureiros, que estávamos conhecendo a América do Sul, sendo meu amigo um professor de nível superior e eu jornalista. Quando falei qual era minha profissão ele mudou bruscamente de atitude. Não sei até hoje se ele simpatizava com a atividade do jornalismo, ou se temia por alguma coisa. A verdade é que ele demonstrou um certo ar de preocupação.

          “Olha, vou deixar você ir e não vou lhe multar. Mas, tome cuidado daqui para frente, pois você pode encontrar pessoas que não sejam tão compreensivas quanto eu”, disse ele. Nem precisava recomendar. Após aquele incidente eu passei sempre muito mais devagar pelos postos de controle, ainda mais atento do que antes.

          Daquela alcabala para frente enfrentamos o pior trecho de estradas em toda a Venezuela. Não sei porque, perto da fronteira com a Colômbia não havia serviço de conservação da rodovia, a qual tinha muitos buracos de tudo quanto era tamanho, alguns bem perigosos para condutores desatentos.

          O relógio marcava 16h30 quando chegamos à fronteira da Venezuela com a Colômbia. Nos contatos que eu e o Jadir tivemos com o povo venezuelano de perto da região fronteiriça, observamos que esse, na maioria, não manifestava nenhum entusiasmo com os rompantes de super-herói do presidente Hugo Chaves, no que tange ao episódio da movimentação de tropas na fronteira com o país vizinho. Não se observou sentimento de hostilidade para com “los hermanos” vizinhos.

          Na alfândega venezuelana fomos liberados bem rápido. Entramos na Colômbia, no povoado de Paraguachón, onde também as autoridades aduaneiras nos despacharam sem perda de tempo. Aliás, no que diz respeito a essa questão burocrática, a Colômbia é um dos países da América do Sul onde o viajante menos perde tempo, se estiver com a documentação em dia.

          Deixamos para trás a Venezuela, país no qual, tirando o incidente do posto de controle, fomos sempre muito bem tratados por todos aqueles com os quais tivemos contato. Quando pedíamos informações, tanto para pessoas comuns, quanto para policiais, fomos sempre bem atendidos.

          Passamos pelos estados de Bolívar, Anzoategui, Miranda, Carabobo, Falcón e Zulia, percorrendo quase três mil quilômetros, gastando muito pouco, pois a gasolina por lá é quase de graça. Com noventa centavos de Real enchia o tanque da minha XTZ 125. O Jadir gastava um pouquinho mais porque sua moto era uma BROS 150, que tem um tanque maior. Fiz todo o percurso no país de Hugo Chaves gastando menos de dez reais. Parece brincadeira, mas é verdade. O preço da gasolina na Venezuela é quase totalmente subsidiado pelo governo, que resista às pressões internacionais para que sejam aumentados.

           Minha filha Glenda, que esteve na Venezuela há alguns anos, tinha me avisado que eu deveria me preparar para enfrentar a comida ruim daquele país. Claro que em ambientes sofisticados come-se melhor. Mas, esse não era o nosso caso; tínhamos que economizar. Assim sendo, tivemos que enfrentar cada gororoba que só vendo para crer. Houve momentos em que a gente só experimentou a comida, pois não tinha gosto de nada. Dizem que quando eles querem comer melhor, mandam buscar cozinheiros ou cozinheiras na Colômbia.

          Naquele dia 18 de outubro, especial para mim, nós desejávamos dormir em Maicao, a primeira cidade colombiana pela frente, logo na entrada do país, mas demos o azar do departamento que cuida da liberação de veículos que entram pela fronteira já estar fechado, com a possibilidade de reabrir domingo de manhã, mas, com o risco de só voltar a funcionar segunda-feira.

          Sem alternativa, fomos procurar hotel para ficar, o que não foi difícil, porque Paraguachón é um vilarejo muito pequeno, que vive em função da fronteira. Fomos para a Hospedage Frontera, cuja aparência da frente engana, pois funciona como uma casa de família com muitos quartos e um serviço de boa qualidade, incluindo a alimentação.

E aí sentimos de cara a diferença entre a cozinha venezuelana e a colombiana, que é incomparavelmente muito melhor. Água em Paraguachón é um problema, pois não há água encanada, nem poço. Tudo que é consumido do precioso líquido vem de Maicao. Por isso, água vale ouro lá. Mas, estavam construindo um grande reservatório e em breve haverá água nas casas.

          Na medida do possível mandamos preparar um jantar especial, sem luxo, mas caprichado. Afinal de contas, aquele era o dia do meu aniversário. Juntamos a Maria, que cozinhou para nós e mais o Erick Gonzalez, que trabalhava no local para cantar os parabéns e para fazer as fotos.

Naquele dia a conta foi pagar só por mim, com muito prazer. Depois fomos tentar manter contato com o Brasil. No meu caso, era o aniversariante do dia ligando para os seus, para receber os parabéns. Consegui conversar com a Marilene, com o Ingo, com a Glenda e o Raoni. Bem mais tarde formos dormir na expectativa de que o funcionário do governo que liberava as motos para circular no país resolvesse dar uma volta no escritório na manhã de domingo.

 

Comentário: De lá pra cá, muita coisa mudou. Maduro transformou a Venezuela num país de inflação descontrolada, onde a violência também saiu do controle do estado, a gasolina deixou de ser barata e ficou muito cara e parte da população fugiu, sobretudo para a Colômbia, que pela primeira vez em sua história elegeu um presidente de esquerda.

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