18 de outubro de 2008, dia em que completei 58 anos de idade, levantei às cinco horas da manhã pensando que eram seis. Desliguei o ar-condicionado do apartamento para que o Jadir acordasse. Depois que já estávamos prontos, meu amigo cumprimentou-me pela passagem do meu aniversário. Às 06:05 já tínhamos pegado a estrada.
Valeu a pena acordar cedo, pois na
saída da cidade de Morón fomos presenteados com uma das imagens mais belas de
toda a viagem, um nascer do Sol magnífico numa praia do mar do Caribe, entre
coqueiros. Como eu gosto muito de fotografia, aquilo teve o significado de um
presente de aniversário que a Natureza me concedeu.
Morón, com seus 25 mil habitantes e
seu complexo urbano-industrial ficou para trás. Seguimos em frente, tendo o mar
do caribe como companhia por algumas horas. Por volta de 09:00 bateu um sono
pesado em mim. Tive muitas dificuldades para manter-me desperto, e houve um
momento em que corri sério risco, pois cochilei em cima da moto. Foi coisa
muito rápida, talvez uns dois segundos, mas o suficiente para assustar-me
quando despertei com um carro atrás de mim em alta velocidade. Isso aconteceu
antes e voltaria a acontecer várias outras vezes, tanto comigo, quanto com o
Jadir.
Pouco depois das nove da manhã
chegamos a Coro, capital do estado de Falcón, fundada em 1521, uma cidade
histórica que conserva muito bem seu patrimônio arquitetônico do Século XVI,
construído pelos espanhóis. Registramos nossa passagem por lá com nossas
lentes, procurando não demorar, pois queríamos atravessar a fronteira com a
Colômbia naquele mesmo dia.
Quase duas da tarde passamos por
Maracaibo, a segunda maior cidade da Venezuela, capital do estado de Zulia,
fundada pelos espanhóis em 1529. Sua população é de mais de 1 milhão e 300 mil
habitantes. A gente mal vê a cidade, porque a fumaça emanada das torres de
extração de petróleo do Lago Maracaibo ofusca quase tudo. Fizemos fotos da
enorme ponte de 8,5 km e fomos adiante.
Quando faltavam 40 km para a fronteira
com a Colômbia, os pontos de controle aumentaram muito. Era um atrás do outro.
A maioria deles era da Guarda Nacional, mas, havia uns da Polícia do Estado de
Zulia. Numa das últimas ALCABALAS, nome dado aos postos de controle da Guarda
Nacional, eu tive problemas.
Como fiz dezenas de vezes, passei
devagar, olhando para o lado, para ver se algum militar fazia sinal para que eu
parasse. Naquela, passei um pouquinho mais ligeiro do que deveria. Quando eu já
ia a uns 300 metros, observei que mandaram o Jadir parar. Incontinenti senti
que o problema não era com ele, mas comigo. Por isso, fiz a curva e voltei
imediatamente, para não piorar as coisas.
“O senhor pensa que está na sua casa?
Quem o senhor pensa que é, para passar assim como fez? O senhor não viu o aviso
de parar? Por causa disso está multado em 600 bolívares fortes (equivalentes a
quase R$ 300,00). O senhor tem que pagar em moeda nacional, pois não são
aceitos dólares ou qualquer outra moeda estrangeira. Se não tiver o dinheiro, a
moto vai ficar retida até que a multa seja paga”, disse o tenente Jorge
Maldonado, muito ríspido.
Eu tive que me humilhar bastante para
tentar sair daquela situação muito embaraçosa. Disse ao militar da toda
poderosa Guarda Nacional venezuelana, que humildemente, pedia mil perdões por
ter feito aquilo. Falei que era um cidadão cumpridor das leis no meu país e que
não seria no país deles, onde a gente estava sendo muito bem tratado, que iria
começar a desrespeitar as leis. Isso já era perto de três da tarde, com um Sol
de rachar. Então, ele nos convidou a irmos para a sombra para continuar a dura
conversa.
Depois de mais de vinte minutos, eu e
o Jadir argumentando, nada do homem ceder. Então eu disse que éramos
aventureiros, que estávamos conhecendo a América do Sul, sendo meu amigo um
professor de nível superior e eu jornalista. Quando falei qual era minha
profissão ele mudou bruscamente de atitude. Não sei até hoje se ele simpatizava
com a atividade do jornalismo, ou se temia por alguma coisa. A verdade é que
ele demonstrou um certo ar de preocupação.
“Olha, vou deixar você ir e não vou
lhe multar. Mas, tome cuidado daqui para frente, pois você pode encontrar
pessoas que não sejam tão compreensivas quanto eu”, disse ele. Nem precisava
recomendar. Após aquele incidente eu passei sempre muito mais devagar pelos
postos de controle, ainda mais atento do que antes.
Daquela alcabala para frente
enfrentamos o pior trecho de estradas em toda a Venezuela. Não sei porque,
perto da fronteira com a Colômbia não havia serviço de conservação da rodovia,
a qual tinha muitos buracos de tudo quanto era tamanho, alguns bem perigosos
para condutores desatentos.
O relógio marcava 16h30 quando
chegamos à fronteira da Venezuela com a Colômbia. Nos contatos que eu e o Jadir
tivemos com o povo venezuelano de perto da região fronteiriça, observamos que
esse, na maioria, não manifestava nenhum entusiasmo com os rompantes de
super-herói do presidente Hugo Chaves, no que tange ao episódio da movimentação
de tropas na fronteira com o país vizinho. Não se observou sentimento de
hostilidade para com “los hermanos” vizinhos.
Na alfândega venezuelana fomos
liberados bem rápido. Entramos na Colômbia, no povoado de Paraguachón, onde
também as autoridades aduaneiras nos despacharam sem perda de tempo. Aliás, no
que diz respeito a essa questão burocrática, a Colômbia é um dos países da
América do Sul onde o viajante menos perde tempo, se estiver com a documentação
em dia.
Deixamos para trás a Venezuela, país
no qual, tirando o incidente do posto de controle, fomos sempre muito bem
tratados por todos aqueles com os quais tivemos contato. Quando pedíamos
informações, tanto para pessoas comuns, quanto para policiais, fomos sempre bem
atendidos.
Passamos pelos estados de Bolívar,
Anzoategui, Miranda, Carabobo, Falcón e Zulia, percorrendo quase três mil
quilômetros, gastando muito pouco, pois a gasolina por lá é quase de graça. Com
noventa centavos de Real enchia o tanque da minha XTZ 125. O Jadir gastava um
pouquinho mais porque sua moto era uma BROS 150, que tem um tanque maior. Fiz
todo o percurso no país de Hugo Chaves gastando menos de dez reais. Parece
brincadeira, mas é verdade. O preço da gasolina na Venezuela é quase totalmente
subsidiado pelo governo, que resista às pressões internacionais para que sejam
aumentados.
Minha filha Glenda, que esteve na Venezuela há
alguns anos, tinha me avisado que eu deveria me preparar para enfrentar a
comida ruim daquele país. Claro que em ambientes sofisticados come-se melhor.
Mas, esse não era o nosso caso; tínhamos que economizar. Assim sendo, tivemos
que enfrentar cada gororoba que só vendo para crer. Houve momentos em que a
gente só experimentou a comida, pois não tinha gosto de nada. Dizem que quando
eles querem comer melhor, mandam buscar cozinheiros ou cozinheiras na Colômbia.
Naquele dia 18 de outubro, especial
para mim, nós desejávamos dormir em Maicao, a primeira cidade colombiana pela
frente, logo na entrada do país, mas demos o azar do departamento que cuida da
liberação de veículos que entram pela fronteira já estar fechado, com a
possibilidade de reabrir domingo de manhã, mas, com o risco de só voltar a
funcionar segunda-feira.
Sem alternativa, fomos procurar hotel
para ficar, o que não foi difícil, porque Paraguachón é um vilarejo muito
pequeno, que vive em função da fronteira. Fomos para a Hospedage Frontera, cuja
aparência da frente engana, pois funciona como uma casa de família com muitos
quartos e um serviço de boa qualidade, incluindo a alimentação.
E
aí sentimos de cara a diferença entre a cozinha venezuelana e a colombiana, que
é incomparavelmente muito melhor. Água em Paraguachón é um problema, pois não
há água encanada, nem poço. Tudo que é consumido do precioso líquido vem de
Maicao. Por isso, água vale ouro lá. Mas, estavam construindo um grande reservatório
e em breve haverá água nas casas.
Na medida do possível mandamos
preparar um jantar especial, sem luxo, mas caprichado. Afinal de contas, aquele
era o dia do meu aniversário. Juntamos a Maria, que cozinhou para nós e mais o
Erick Gonzalez, que trabalhava no local para cantar os parabéns e para fazer as
fotos.
Naquele
dia a conta foi pagar só por mim, com muito prazer. Depois fomos tentar manter
contato com o Brasil. No meu caso, era o aniversariante do dia ligando para os
seus, para receber os parabéns. Consegui conversar com a Marilene, com o Ingo,
com a Glenda e o Raoni. Bem mais tarde formos dormir na expectativa de que o
funcionário do governo que liberava as motos para circular no país resolvesse
dar uma volta no escritório na manhã de domingo.
Comentário:
De lá pra cá, muita coisa mudou. Maduro transformou a Venezuela num país de
inflação descontrolada, onde a violência também saiu do controle do estado, a
gasolina deixou de ser barata e ficou muito cara e parte da população fugiu,
sobretudo para a Colômbia, que pela primeira vez em sua história elegeu um
presidente de esquerda.
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