Os procuradores da República, Felício Pontes e Fabiana Schineider afirmam que não dá para construir usinas hidrelétricas no Tapajós sem ouvir o povo que vive em toda a região que será afetada
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Procurador da República, Felício Pontes Foto: JParente |
O procurador do Ministério Público Federal no
Pará, Felício Pontes Jr. esteve presente em São Luiz do Tapajós, sendo um dos
mais aguardados por suas posições sempre muito firmes em favor das populações
tradicionais e contra esses mega projetos que causam muitos impactos ambientais
e sociais. Fabiana Schneider, procuradora que atuam em Santarém e na região,
também marcou presença firme no evento de São Luiz.
Em 2012, Felício recebeu a Comenda Dom Helder
Câmara de Direitos Humanos, conferida pelo Senado Federal a
personalidades que tenham oferecido contribuição relevante à defesa dos
direitos humanos no Brasil.
Há
mais de 10 anos, Felício Pontes Jr tem sido um dos principais defensores dos
que sofrem – e combatente dos que cometem – injustiças e violações de direitos
humanos e ambientais no Pará. É um personagem conhecido, respeitado e querido
por indígenas, ribeirinhos, pescadores, quilombolas e demais populações que
enfrentam cotidianas violações de seus direitos. Mas também é conhecido e
temido pelos grandes depredadores da floresta e dos rios do Estado.
A atuação de defensores de direitos humanos
no Brasil, historicamente, não é uma tarefa fácil. No caso de Felício, porém, a
principal retaliação não vem de pistoleiros, mas do próprio governo federal.
Suas ações contra ilegalidades nos casos de grandes projetos infraestruturas,
como as hidrelétricas de Belo Monte e Teles Pires e o complexo hidrelétrico do
Tapajós, levou a Advocacia Geral da União (AGU) a tentar insistentemente
impedir o cumprimento dos seus deveres constitucionais de defesa do meio
ambiente e das populações tradicionais: por três vezes, a AGU protocolou
reclamações disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP),
solicitando o afastamento e a substituição de Felício nos processos que
envolvem a construção de Usinas Hidrelétricas. Todas as tentativas fracassaram
e as reclamações foram indeferidas.
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Procuradora da República, Fabiana Schneider Ao fundo, as belezas de São Luiz do Tapajós Foto: JParente |
Ao reconhecer e honrar publicamente a atuação
do procurador, o Senado torna mais evidente o caráter antidemocrático da defesa
da AGU de ações governamentais que ferem a legislação e o Estado Democrático de
Direito do país.
Agora, no momento em que o governo federal
tentar passar por cima de todos com seu rolo compressor, a integração de
Felício Pontes ao movimento de resistência às obras do complexo hidrelétrico do
Tapajós vai reforçar enormemente essa luta que mal está começando. Em São Luiz
do Tapajós, Felício Pontes e Fabiana Schneider concederam inúmeras entrevistas,
sempre com muita presteza. Uma delas foi para o Jornal do Comércio.
JC – De que modo o
Ministério Público Federal pode ajudar para que o governo aja com um mínimo de
respeito com as comunidades, no caso dessas obras do complexo hidrelétrico do
Tapajós?
FP – Nós conseguimos
uma vitória muito importante numa decisão judicial muito relevante, ano
passado, para que seja reconhecido o direito a consultas públicas, não só dos
povos indígenas, como de todas as comunidades que serão diretamente afetadas
por esses empreendimentos. Esse direito não vinha sendo respeitado em nenhuma
outra hidrelétrica que tenha sido construída no Brasil. Vai ser a primeira vez
que isso vai acontecer por parte do governo federal. Eu acho que esse é um
momento importante, porque essas pessoas, que conhecem como ninguém o rio
Tapajós, cujo comportamento diante da construção dessas barragens é contrário,
com suas centenas de anos de experiência acumulada, que esse conhecimento possa
aflorar agora para que a gente leve isso para os processos judiciais. Então, eu
acho que esse vai ser o grande diferencial da obra de São Luiz do Tapajós em
relação a todas as hidrelétricas que já foram construídas na Amazônia. Esses
povos precisam ser consultados para dizer se querem ou não que essas
hidrelétricas desse complexo possam ser consumadas. Isso não foi feito em
nenhum lugar da Amazônia. Pela primeira vez, o governo federal está sendo
obrigado a fazer isso, e começa aqui por São Luiz do Tapajós.
JC – O senhor vê
alguma peculiaridade que denote diferença de comportamento da resistência a
esse tipo de empreendimento?
FP – Uma coisa marcante
é a resistência do povo Munduruku. É uma resistência famosa, conhecida por
todos aqueles que estudam os povos indígenas no Brasil. Nas hidrelétricas de
Rondônia - Santo Antônio e Jirau -, que terminou influenciando na inundação de
Porto Velho, não havia indígenas diretamente afetados; com relação a Belo
Monte, na volta grande do Xingu, nós temos duas etnias que já foram impactadas
há muito tempo e com um número muito pequeno de indígenas que não chegam a mil
pessoas que vão ser impactadas diretamente. Já em relação ao Tapajós, nós temos
treze mil indígenas Munduruku lutando contra as hidrelétricas. Esse é um fator
decisivo, pois eles estão dispostos a lutar para que essas hidrelétricas não
aconteçam, passando por cima do direito deles. Então, independente do que
ocorra na Justiça, eles não vão permitir que ocorra aqui, o que aconteceu em
outros lugares do Brasil.
JC – O governo tenta
adiantar o processo, marcando data para licitação, recuando quando
pressionado...
FP – Essas coisas que
estão acontecendo não avançam o processo de licenciamento ambiental, que está
estagnado, porque não pode haver um novo passo sem que haja consulta. O que
está acontecendo, ainda é um preparativo para a consulta, que deve demorar
alguns meses, ou até anos. Isso se deve à decisão judicial e a toda articulação
que está sendo feita com o povo Munduruku.
JC – Como o
Ministério Público Federal vê essa tentativa do governo, de ignorar a
existência nos estudos feitos até agora, as populações de todos os tamanhos,
existentes nos locais onde pretende construir as hidrelétricas no Tapajós?
FP – Isso mostra pra
gente, que esse não é um projeto para beneficiar os povos da Amazônia, as
pessoas que vivem aqui. Esse é um projeto que foi feito e concebido por pessoas
de fora da Amazônia para levar energia para lugares longe daqui. Não foi levado
em consideração o impacto que isso vai causar aos povos que vivem aqui,
principalmente Itaituba.
Eu
tenho uma preocupação muito grande com Itaituba, porque vi o que aconteceu em
Altamira, antes e agora com a hidrelétrica sendo construída. Altamira está um
caos, com pessoa morrendo por falta de atendimento médico, as escolas não
conseguem absorver essa população toda que chegou, e dizem que essa migração para
o município de Itaituba será de carca de 130 mil pessoas. Se isso acontecer,
vai mais do que duplicar a população de Itaituba em um ou dois anos. Então, se
os serviços públicos, hoje, já são deficientes, você imagina o que vai
acontecer com a duplicação da população.
Eu
chamo atenção para o que está acontecendo em Altamira, onde houve um aumento
considerável da violência. Em relação ao que existia antes, cresceu muito a
violência em Altamira, principalmente contra crianças e mulheres. Por isso, se
o processo da hidrelétrica de São Luiz acontecer do jeito que o governo quer,
eu temo que Itaituba se transforme naquilo que é Altamira, hoje.
JC – O que o senhor
tem a dizer para muita gente de Itaituba, que só pensa na riqueza fácil,
ignorando que uma obra da magnitude de São Luiz do Tapajós vem em um pacote
fechado, trazendo algumas coisas boas, mas, muita coisa ruim junto?
FP – Eu acho que as
informações a respeito dessa hidrelétrica anda não chegaram de uma maneira
muita clara para essa população, que ainda não compreendeu os impactos que
serão sentidos. Precisamos pensar em um processo de conscientização dessa
população, não só de São Luiz e Pindobal, mas, também o centro populacional de
Itaituba, para que se possa sentir os efeitos verdadeiros desse projeto. A
hidrelétrica de São Luiz do Tapajós está prevista como a segunda mais cara do
Brasil. A primeira é Belo Monte, que vai custar R$ 31 bilhões, enquanto São
Luiz está orçada em R$ 31 bilhões, e o impacto disso sobre a comunidade será
muito grande.
Para os que querem saber como devem
se comportar diante de um projeto com o esse, principalmente os comerciantes,
eu aconselho que façam uma visita a Altamira, fazendo uma consulta aos
comerciantes locais, que também achavam que era o progresso que estava chegando
com a construção da barragem, e agora vejam em que situação eles estão. Achavam
que seriam beneficiados com um grande crescimento das vendas, mas, chegaram
grandes lojas junto com a obra, e foram elas que se beneficiaram, vendendo
equipamentos e quase tudo que é preciso, em detrimento das lojas locais.
JC – Pode-se dizer
que o governo embrulha o projeto em um vistoso papel de presente, mas, quando
se abre, o que tem dentro é bem diferente do produto que foi vendido?
FP – Essa figura de
linguagem que você usou na pergunta, pode ser muito bem utilizada. O governo
tenta dizer que haverá diálogo, que acontecerão coisas boas paras os povos
amazônicos. Eu não consigo ver isso. E eu gostaria que me mostrassem, na
Amazônia, onde foi que alguma hidrelétrica foi construída, e que serviram mesmo
de benefício para a população local. Eu desafio o governo onde foi que a
população ganhou com a construção de hidrelétricas.
Procuradora
da República Fabiana Schneider – Nascida em Rondônia, mas, atualmente
sediada em Santarém, a Procuradora da República Fabiana Schneider conhece bem o
que aconteceu em seu estado, na construção das hidrelétricas de Jirau e Santo
Antônio. Agora ela acompanha tudo que diz respeito ao complexo hidrelétrico que
o governo projetou para o rio Tapajós, de modo especial, São Luiz, o maior de
todos esses empreendimentos.
JC – A senhora acha
que esse grito pelo Tapajós vai despertar consciências para que não aconteça
aqui, do jeito que o governo quer que seja?
FS – Eu acredito que
esse é um passo importantíssimo. Medidas judiciais já foram adotadas,
recomendações já foram feitas, mas, é com a ajuda da força dos movimentos
sociais que nós poderemos obter vitórias, para que o restante do Brasil perceba
que aqui tem gente e que temos uma riqueza imensa a ser protegida.
JC – O fato de o
governo fazer de conta que aqui só tem mata e água, ignorando as populações,
tira o sono do Ministério Público?
FS – Essa é uma das
nossas grandes preocupações, porque além das comunidades tradicionais, nós
temos um bioma todo que deve ser protegido; temos uma cultura que precisa ser
protegida.
JC – Depois desse ato
de protesto de São Luiz, a senhora acredita que a voz do Tapajós, finalmente
vai ser ouvida bem mais longe?
FS – Certamente, sim. É
uma oportunidade para que haja uma divulgação maior, dos problemas e das
dificuldades que estão sendo enfrentadas aqui e para que haja uma
sensibilização, não só dos órgãos públicos, mas da comunidade em geral.
JC – De acordo com o seu
entendimento, a que se deve esse comportamento do governo, que querer impor sua
vontade a qualquer preço?
FS – Eu acho que isso é
uma demonstração da inobservância da nossa lei maior, que é a Constituição
Federal. E é claro que deixar de observar a nossa Constituição leva a um
autoritarismo indesejado. Nós vivemos em uma democracia que deve ser plena.
Somente ouvindo a voz dessas comunidades que estão sendo atingidas é que nós
poderemos falar que há uma real democracia.
JC – Nós, do Jornal
do Comércio, temos plena consciência dessa grande conquista que veio através da
Constituição Federal e 1988, que é o Ministério Público, que defende a
cidadania. Sem vocês, a luta contra os poderosos seria muito mais árdua...
FS – Muito obrigada.
Com certeza, o Ministério Público é um ganho da sociedade, porque nós existimos
como instituição independente, autônoma de qualquer um dos ramos do poder. O
Ministério Público exerce uma função especial, trabalhando para que os direitos
constitucionais sejam respeitados. É claro que há interesses outros que podem
afetar o Ministério Púbico federal. E eu vou além! As nossas prerrogativas,
principalmente quanto às investigações, só foram asseguradas, no ano passado,
com as manifestações sociais, que foram às ruas para exigir que fosse mantido o
poder de investigação do Ministério Público.
JC – O que o
Ministério Público Federal, em Santarém, tem feito, com relação a esse projeto
de construção de hidrelétricas no Tapajós?
FS – Várias medidas tem
sido adotadas, tanto judicialmente, quanto extra judicialmente. Judicialmente,
já temos uma ação civil pública da consulta pública, de acordo com a Convenção
69, da Organização Internacional do Trabalho (OIT); extra judicialmente temos
feito oficinas para conscientização das comunidades a respeito dos seus
direitos para exercê-los da melhor forma possível, e além disso, o mais recente
ato foi a Recomendação 9, de novembro de 2013, emitida pela doutora Janaína
Andrade, que recomendou, tanto para o ICMBio, quanto para o Serviço Florestal
Brasileiro, que não fosse realizada a audiência pública para a concessão das
flonas Itaituba I e II, o que acabou sendo observado, já que a audiência
pública foi suspensa.
*Na edição 191 do
Jornal do Comércio, circulando.