Maurício Batista de Oliveira está chegando aos 89 anos, que serão completados
no próximo dia 10 de junho. Nasceu no interior do estado de São Paulo, no ano
de 1926, na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, que na época era apenas uma
pequena aglomeração de pessoas que viviam da agricultura, e que tem atualmente
46 mil habitantes. Desses 89 anos de vida, 33 anos tem sido vividos em
Itaituba.
Filho
de pai espanhol (José Batista Gomes) e mãe brasileira (Natália Carlos de
Oliveira), totalmente lúcido, apenas com limitações na audição, com muita
história para contar, ele recebeu a reportagem do Jornal do Comércio para uma
longa conversa que rendeu a reportagem a seguir, em sua chácara de 50 metros de
frente por 180 de fundo, muito bem localizada na Quarta Rua do bairro da
Floresta:
JC – É verdade que seu pai, seu José
Batista Gomes, foi combatente na primeira guerra mundial?
Maurício – Sim, é verdade. Meu pai contava que
ele lutou naquela guerra durante três anos. Participou de muitos combates,
vendo muita gente morrer no campo de batalha. Um dia ele encontrou um primo
dele que trabalhava em um navio cargueiro que transportava carvão mineral para
outros países. O primo perguntou se papai gostaria de deixar aquela guerra na
qual poderia morrer a qualquer momento. Ele respondeu que sim, mas, não sabia
como. Então o primo lhe disse que naquela noite seu navio iria partir para o
Brasil com uma carga de carvão. Se ele quisesse, que fosse até o porto onde
havia vários homens carregando o navio.
Ele
deveria pegar uma pá e trabalhar junto com os demais, sujando-se ao máximo para
não ser reconhecido. Papai não se fez de rogado, foi para o porto, trabalhou o
dia todo, e quando os trabalhadores foram para bordo ele foi junto,
misturando-se a eles para que algum espião o reconhecesse. Ele dizia que depois
que o navio já estava em alto mar, deu um adeus à sua terra natal. Adeus, Espanha! Talvez a gente nunca mais se
veja, disse ele, que nunca mais voltou lá.
JC – Até que idade o senhor viveu em
Santa Cruz do Rio Pardo e como era a vida lá?
Maurício – Santa Cruz do Rio Pardo fica perto
da divisa com o Paraná. São mais ou menos trinta quilômetros de distância.
Também fica próximo de Ourinhos. Nós moramos sempre no interior, trabalhando no
campo. Meu pai produzia café e plantava também milho, arroz, feijão e outras
lavouras. Mas, o forte era o café. Vida dura aquela que a gente levava, com
muitas dificuldades. Ficamos lá até quando eu tinha entre dezessete e dezoito
anos.
JC – O senhor teve alguma oportunidade
para estudar?
Maurício – Não, eu nunca peguei em uma bolsa
para ir à escola; nunca entrei em um grupo escolar. O pouco que eu aprendi foi
por causa de um tio meu, irmão de meu pai, que era engenheiro e me ensinou a
ler e a escrever um pouco. Sou muito bom mesmo é de matemática.
JC – Depois, sua família mudou para
onde?
Maurício – Fomos para o município de Santa Maria,
no Norte do Paraná, cerca de 50 quilômetros distante de Londrina e menos de 100
quilômetros de Santa Cruz do Rio Pardo. Até os 57 anos eu fiquei lá,
trabalhando o tempo quase todo no campo. Durante um ano eu exerci a profissão
de sapateiro, mas, depois voltei para a roça. Casei aos 26 anos e fiquei mais
dois ao lado do meu pai. Um dia eu resolvi que era hora de tocar a minha vida
por conta própria. Um dia, enquanto eu e meus irmãos esperámos que meu pai
fosse levar o nosso almoço eu disse para eles: eu vou falar pro pai que eu vou
embora. Um deles respondeu que papai não iria gostar. Eu falei que já era
casado e que tinha um filho, portanto, tinha que cuidar da minha vida. Quando
meu pai chegou eu comuniquei a ele minha decisão.
Foi
assim que eu e minha primeira esposa (falecida) Terezinha Dias Batista saímos
da aba do meu pai. Nós tivemos cinco filhos, que são: Ademir, Adevair, Antônio,
Edna e Sérgio. Hoje tenho vários netos, bisnetos e até tataranetos.
JC – Como se deu sua vinda para o
Pará, quase aos 60 anos?
Maurício – Eu tinha uma terra lá no Paraná,
que eu vendi e comprei uma serraria em Altônia. Foi um negócio que me deu muito
trabalho e muita dor de cabeça. Caminhões quebravam, os meus filhos eram muito
novos e eu não queria que eles mexessem com toras, porque era um serviço muito
perigoso. Houve alguns sustos com acidentes que felizmente não deixaram ninguém
machucado, e isso me levou a vender a serraria.
Peguei a família, botei em um
caminhão e viemos para Altamira, onde troquei o caminhão em dois lotes de
terra, mas, encontrei muitas dificuldades. Um dia a gente estava sentado em uma
árvore caída, na roça, conversando, quando eu disse para minha mulher: olha,
amanhã eu estou pensando em ir a Itaituba. Nós tínhamos uma Kombi e Terezinha
era uma mulher muito disposta. Ela respondeu: Vá lá! Se tivermos que mudar para
lá, mudaremos. Cheguei em casa, tomei banho e peguei o ônibus da noite, que
saía para Itaituba. Vim sozinho.
Cheguei
aqui e fui para a casa de um cunhado meu, Toninho, que ainda hoje mora aqui.
Nisso chegou um homem ao qual fui apresentado, que me perguntou se eu estava
aqui para comprar alguma casa, ou uma terra. Eu respondi que queria comprar um
pedaço de terra. Foi então que ele me trouxe para ver essa área, que hoje forma
a minha chácara e de um filho, pegada uma da outra. Gostei e fechei o negócio
por 150 mil não sei o que, porque nem me lembro qual era o dinheiro da época (era o Cruzeiro Cr$).
Voltei
para Altamira e comuniquei à mulher que havia comprado essa terrinha. Ela
disse, então vamos embora. Era uma mulher muito disposta. Eu já tinha dois
filhos casados, que moravam comigo, o Ademir e o Adevair (Zero Vinte). Quando
chegamos aqui, começamos do zero. Começamos a desmatar, fizemos essa casa e
aqui estamos até hoje. Era tudo mato. Perto daqui só morava um senhor. Não
havia rua, nem estrada. Só um caminho. Isso foi em janeiro de 1982.
JC – Qual foi sua atividade primeira
ao chegar a Itaituba?
Maurício – Começamos plantando horta. Plantava
alface, cebola, coentro, couve, pepino e outras coisas. Naquele tempo as
hortaliças rendiam um bom dinheiro. Eu cheguei a ter durante um bom tempo, mais
de cem canteiros. Era tudo verdinho. Era tudo muito bem cuidado, que causava
admiração das pessoas, pois era tudo limpinho, com os caminhos bem limpos para
andar entre os canteiros.
JC – Então, a horta deu bons lucros?
Maurício –
Deu, sim. Com dinheiro da horta eu comprei mais dois terrenos atrás deste
aqui, comprei um lote no Trairão, fiz casa junto com minha atual esposa, Maria
dos Santos de Oliveira, comprei carro. Naquela época a gente vendia muito para
os garimpos. A gente entregava entre 200 e 300 maços de cheiro verde todo santo
dia. Também produzíamos tomate, quiabo e maxixe, e tudo isso era consumido
tanto pelos garimpos quanto pela cidade, onde a gente entregava, todo dia, no
mínimo, 150 pés de alface, 150 maços de cheiro verde e o que mais tivesse. O
garimpo nos deu bons lucros, sim.
JC – O senhor ainda trabalha cuidando
das plantas, já que há um grande número de pés de acerola que lhe dá uma boa
renda?
Maurício – Muito pouco. Hoje em dia, quem cuida
mais é a Maria. Vou fazer 89 anos no próximo dia 10 de junho e por causa da
idade me sinto cansado. Ainda faço alguma coisinha, aqui e ali, mas, pouca
coisa. Minha esposa Maria gostaria que a gente fosse morar no Trairão, onde
temos casa, porque é um espaço menor. Acontece que eu gosto muito daqui,
exatamente por causa do espaço grande, que deixa a gente à vontade para andar
para um lado ou para outro. Estamos no meio da cidade; tudo que se precisa a
gente tem. Trairão é uma cidade pequena, onde não tem tudo que a gente precisa.
Eu não me vejo fora daqui deste lugar.
JC – O senhor tem uma família
abençoada...
Maurício – Graças a Deus, eu tenho uma família
muito boa. Meus filhos são todos muito bons filhos, minhas noras são muito boas
comigo, tenho uma ótima esposa, sou muito amado pelos meus netos. Tenho uma
família muito unida.
JC – Com essa bela história de vida
que o senhor escreveu, se pudesse, mudaria alguma coisa, ou acha que fez tudo
como deveria ser feito?
Maurício – Eu me considero muito satisfeito com a
história de vida que eu construí. Não mudaria nada. Até mesmo a decisão de vir
para Itaituba em um período em que a cidade era só barro, muita poeira no verão
e lama pra todo lado no inverno, com muita violência, muitas mortes, foi uma
decisão acertada, porque aqui a gente se encontrou, se deu bem, onde eu e minha
família construímos as nossas coisas aqui. E eu gosto mais da vida que a gente
leva hoje. Então, deixaria essa história do jeito que ela está escrita.